O evangelho que não se parece com Cristo


Vladimir Chaves


É impossível olhar para o cenário atual e não sentir um misto de indignação e dor diante da crescente multidão de cristãos que se afastam das igrejas, engrossando as fileiras dos chamados “desigrejados”. Não se trata, em sua maioria, de pessoas que abandonaram a fé em Cristo, mas de irmãos e irmãs feridos por líderes que transformaram o púlpito, que deveria ser lugar de vida e esperança, em instrumento de orgulho, vaidade e até mesmo violência espiritual.

O que vemos é o cumprimento das palavras de Jesus: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois atam fardos pesados e difíceis de suportar e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem com o dedo querem movê-los” (Mateus 23:4). Muitos líderes exigem dos fiéis um peso que eles mesmos não suportam, pregam aquilo que não vivem, e ferem em nome de um evangelho que não se parece com o de Cristo.

Quantos têm sido esmagados não pelo mundo, mas pela própria comunidade que deveria acolhê-los? Quantos foram julgados, expostos e humilhados por aqueles que deveriam estender a mão? Paulo advertiu: “Porque o reino de Deus não consiste em palavras, mas em poder” (1 Coríntios 4:20). Contudo, o que se vê é uma avalanche de discursos inflamados, mas sem vida, sem unção, sem exemplo.

Mais grave ainda é quando a Palavra de Deus é manipulada para servir a interesses pessoais. Textos são arrancados do contexto e transformados em armas, não em pão que alimenta. Pedro já havia advertido sobre isso: “Assim como houve entre o povo falsos profetas, também haverá entre vós falsos mestres, que introduzirão encobertamente heresias destruidoras” (2 Pedro 2:1). Não é à toa que muitos, confusos e feridos, escolhem se afastar do convívio congregacional, não de Cristo, mas das estruturas que se corromperam.

Diante disso, não podemos ter espírito de covardia. A igreja foi chamada para ser lugar de cura, não de opressão. Foi chamada para ser família, não tribunal. O amor, que é o maior mandamento, tem sido substituído por soberba, crítica e exclusão. Mas o apóstolo João nos lembra: “Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor” (1 João 4:8). Se a liderança não expressa esse amor, está desconectada da essência do Evangelho.

O que me aperta o coração é perceber que, para muitos, isso já virou regra, quase uma cultura: pastores que julgam, líderes que apontam dedos, ministérios que se sustentam mais na cobrança do que no exemplo. Mas o exemplo de Cristo foi o contrário: Ele lavou os pés dos discípulos (João 13:14-15), Ele acolheu a mulher adúltera (João 8:11), Ele perdoou quem o traía e o negava. Onde está esse modelo hoje?

A pergunta que fica é: quem vai se levantar para viver o Evangelho em sua pureza? Quem vai abrir mão da vaidade e do poder para pastorear como o Bom Pastor, que deu a vida pelas ovelhas (João 10:11)? Porque o que vemos é gente matando espiritualmente aqueles que deveriam ser cuidados.

A igreja de Cristo não morrerá, disso temos certeza, mas é urgente denunciar os falsos caminhos que têm levado muitos ao cansaço e à dispersão. O chamado não é para abandonar a fé, mas para clamar por uma reforma de coração, para que voltemos ao simples e poderoso Evangelho da cruz: amor, entrega, serviço e verdade.

“Mas vós não fareis assim; pelo contrário, o maior entre vós seja como o menor; e quem governa seja como quem serve” (Lucas 22:26). Até que a igreja volte a entender isso, continuará havendo multidões de crentes feridos do lado de fora dos templos.

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