Cerca de metade dos
combustíveis fósseis do mundo poderá ser desnecessária e produzir muito pouco
lucro dentro de 15 anos, devido à transição energética. Um novo estudo revela,
no entanto, que os países que começarem mais cedo a desativar o uso desses
combustíveis poderão conseguir reduzir algumas das perdas. Ou seja, a
prevalência de energias mais limpas no mercado deverá ser benéfica para a
economia de alguns países e irá compensar as perdas para a economia global. A
transição, porém, pode trazer grande instabilidade e até provocar uma crise
financeira como a de 2008, alertam os especialistas.
Estudo publicado essa
semana na revista Nature mostra que metade dos ativos de combustíveis fósseis
no mundo pode tornar-se desnecessária dentro de 15 anos.
As empresas ligadas a esse
tipo de exploração poderão ficar na posse de “ativos ociosos”: infraestrutura,
terrenos, fábricas e investimentos. O valor desses combustíveis fósseis poderá
cair ao ponto de já não ser possível às empresas lucrar de nenhuma forma.
Jean-François Mercure, da
Universidade de Exeter, principal integrante do trabalho, diz que a mudança
para a energia limpa irá beneficiar a economia mundial em geral, mas deve ser
tratada com cautela para evitar colapsos locais e regionais, que provocariam
uma possível instabilidade em nível global.
“Na pior das hipóteses, as
pessoas vão continuar a investir em combustíveis fósseis até que, de repente, a
procura que esperavam vai deixar de existir, e as empresas perceberão que o que
têm em sua posse não vale nada. Podemos ter uma crise financeira à escala da
crise de 2008”, alerta o coordenador.
Mercure destaca o impacto
negativo para cidades dependentes da exploração de petróleo, como Houston por
exemplo, que poderão ter o mesmo destino de Detroit com o declínio da indústria
automóvel nos EUA, caso a transição não seja cuidadosamente gerida.
O estudo prevê uma mudança
geopolítica significativa com a queda na procura dos combustíveis fósseis,
porque os fluxos de investimento atuais e os compromissos dos governos para
atingir a neutralidade carbônica até 2050 fazem com que a energia renovável vá
se tornando gradualmente mais eficiente, mais barata e estável.
Por outro lado, os
combustíveis fósseis terão maior volatilidade de preços. Muitos ativos de
carbono, como reservas de petróleo, de carvão, ou as respectivas
infraestruturas, vão deixar de produzir valor para os proprietários.
O estudo prevê que as
perdas sejam mais evidentes em locais remotos ou onde a exploração e extração
das matérias é mais difícil e desafiadora. Nesses locais, a viabilidade
econômica da extração dos recursos irá perder-se mais rapidamente com a
desvalorização dos mesmos. A pesquisa cita o exemplo da extração de areias e
xistos betuminosos ou explorações petrolíferas no Mar Ártico ou em águas
profundas.
A Noruega, o Canadá, os
Estados Unidos, a Rússia ou o Brasil são considerados alguns dos principais
perdedores, a menos que se diversifiquem rapidamente diante da dependência de
combustíveis fósseis.
Nesse cenário, os países
que mais ganham são os atuais importadores de petróleo, gás e carvão, como a
União Europeia, o Japão e a Índia, por exemplo.
Para esses, de acordo com
o estudo, a transição econômica trará independência energética e vantagens econômicas,
ao passarem a investir o dinheiro anteriormente utilizado na compra de
combustível ou em energias renováveis, modernização de infraestruturas e
criação de empregos.
Metas climáticas
Outro estudo, do Instituto Europeu para a Política Ambiental (IEEP, na sigla original) e do Instituto Ambiental de Estocolmo (SEI), mostra que as emissões de dióxido de carbono de 1% das pessoas mais ricas do mundo deverão aumentar 30 vezes mais do que o previsto para se conseguir limitar a subida das temperaturas a 1,5 graus Celsius. Para os pesquisadores, os governos têm de "restringir o consumo de luxo de carbono", especialmente relacionado a jatos particulares, mega iates e viagens ao espaço. "A demora em fazê-lo custará vidas", alerta o estudo.
De acordo com os objetivos
do Acordo de Paris, cada pessoa na Terra deveria reduzir as emissões de carbono
a uma média de 2,3 toneladas até 2030, cerca de metade do valor atual.
No entanto, um 1% da
população – que equivale, aproximadamente, ao número de habitantes da Alemanha
– está a caminho de emitir 70 toneladas de CO2 por pessoa a cada ano. Isso se a
tendência de consumo continuar a aumentar, em vez de regredir.
Segundo o trabalho, esse
índice da população será responsável por 16% do total de emissões de carbono
até 2030. Em 1990, eram responsáveis por 13%.
Ao mesmo tempo, os 50%
mais pobres do planeta vão emitir cerca de uma tonelada de CO2 por pessoa
anualmente até o final da década.
“Uma pequena elite parece
ter um livre passe para poluir”, criticou Nafkote Dabi, que liderou o estudo.
Tim Gore, diretor d IEEP,
afirmou que a pesquisa revela como a luta para atingir 1,5 graus não está sendo
dificultada pela maioria das pessoas no mundo, mas sim pelas emissões
excessivas dos cidadãos mais ricos.
Os cientistas alertam que
até o total de emissões produzidas pelos 10% mais ricos pode ser suficiente
para exceder o limite necessário para que, até 2030, a meta de 1,5 graus seja
cumprida – independentemente do carbono emitido pela restante da população.
“Para travar as emissões
de CO2 até 2030, é necessário que os governos estabeleçam medidas concretas
para os mais ricos. As crises do clima e da desigualdade devem ser combatidas
em conjunto”, considerou Tim Gore.
* Com informações de
Andreia Martins e Joana Raposo Santos - Repórteres da RTP - Rádio e Televisão
de Portugal