CPI do Trabalho Escravo investiga aliciamento de bolivianos


Vladimir Chaves

CPI do Trabalho Escravo investiga aliciamento de bolivianos
Na tarde da última quinta-feira (7), a comitiva, formada por cinco deputados, da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Trabalho Escravo da Câmara, desembarcou na Bolívia com a missão de conhecer como é feito o aliciamento das vítimas de exploração do trabalho escravo no setor têxtil paulista.
A viagem, que teve duração de três dias, foi proposta pelo deputado federal Cláudio Puty (PT-PA), presidente da CPI, depois de participar de ações de resgate do Ministério do Trabalho que apontavam a Bolívia como a principal fonte de mão de obra escrava nos centros urbanos.
“Acompanhamos ações do Grupo Móvel e verificamos que a exploração da mão de obra análoga à escrava faz parte de uma complexa estrutura que além de ferir direitos humanos, prejudica fortemente a economia em nosso país. Para um combate eficaz a esta chaga, precisamos tomar medidas que contemplem o cuidado desde o aliciamento até a responsabilização do grande empresário que comercializa produtos frutos desta rede de exploração”, explica Puty.
A realidade
Os primeiros passos da comitiva no país vizinho foram em El Alto, uma cidade eminentemente indígena fundada há 28 anos a cerca de uma hora da capital La Paz. Lá encontraram pelas ruas uma série de pequenas agências de anúncio com cartazes que estampavam promessas de emprego, principalmente, para mulheres jovens em oficinas de costura na cidade de São Paulo.
Os anúncios trazem a oferta de pagamento de salários abaixo do mínimo permitido pela legislação brasileira e, mesmo assim, representam um sonho de vida melhor para os bolivianos que enfrentam atualmente uma alta taxa de desemprego e um momento econômico difícil em seu país.
Nas ruas os deputados conversaram com pessoas comuns e confirmaram esta realidade. Uma chola ao saber que se tratava de parlamentares brasileiros, fez questão de contar emocionada a história de sua filha de 20 anos que foi levada, há duas semanas, para trabalhar para seu sobrinho que lhe garantiu um salário de R$ 150 mensais.
Outra pessoa com quem conversaram foi um homem, 30 anos, que já havia voltado do Brasil. Este narrou sua saga em uma oficina de costura em São Paulo. Durante três meses trabalhou, das 7h às 23h, sem receber salário e dividindo uma cama de solteiro com um colega de trabalho. Ele ainda lembra com indignação que só conseguiu retornar à Bolívia ao se rebelar e pendurar uma placa no pescoço com a inscrição “Sou boliviano e quero volta a minha terra”.
Segundo o tenente Erick Israel, responsável pela Divisão de Tráfico de Pessoas da Polícia Nacional da Bolívia, o número de pessoas aliciadas anualmente é alto e, as principais vítimas são mulheres menores de idade. “Frequentemente recebemos queixas de pais que perderam o contato com seus filhos no Brasil e pedem nossa ajuda para reencontrá-los. Eles entram nas estatísticas dos desaparecidos que no mês de fevereiro já chega a 49 casos, destes cinco são mulheres menores de idade. Nossa média de êxito no reencontro é de 40%”, disse Erick.
O aliciamento
As vítimas da exploração narram que o aliciamento é feito pelos seus compatriotas. Muitos deles viveram a mesma experiência no passado e, agora, passaram a fazer parte de uma rede informal e lucrativa de exploração. No senso comum boliviano a prática do aliciamento não é crime, mas sim uma oportunidade oferecida que é aceita por livre e espontânea vontade pelo trabalhador migrante.
Há apenas seis meses foi criada a Lei de Combate ao Tráfico de Pessoas na Bolívia, mas até então a estrutura administrativa do Estado para sua implementação ainda não está pronta.
“Esta posição de conformismo não nos dá respaldo para aceitar que práticas desumanas aconteçam no Brasil. Caso o boliviano queira trabalhar em nosso país, a ele deve ser dada a oportunidade de emprego digno, com salário e direitos garantidos a todo trabalhador”, afirmou o presidente da CPI.
A lógica do aliciamento, apesar do desafio para coibi-la, é fácil de entender. Geralmente, bolivianos que conseguem durante alguns anos comprar maquinas de costura, passam então a convidar compatriotas e parentes para servirem de mão de obra em seus negócios.
“Eles alugam casas no interior de São Paulo e de maneira precária fazem do local uma pequena oficina de costura, sendo ali também dormitório e refeitório dos trabalhadores. A situação é desumana nestas oficinas, os trabalhadores são obrigados a cumprir uma jornada de mais de 15 horas diárias. Encontramos mães amamentando seus filhos enquanto costuravam. É algo inadmissível”, protesta o deputado Ivan Valente (PSol - SP), membro da CPI do Trabalho Escravo.
As estatísticas do Centro de Imigração apontam que 40 mil bolivianos deixam o país todo ano com destino ao Brasil. “Muitos destes não regressam, pois além das dificuldades socioeconômicas que encontram aqui, temos no imaginário de nosso povo o desejo de sair da Bolívia, mesmo sem saber que futuro nos aguarda”, afirmou a diretora do Centro de Imigração Boliviana, Cosset Esbusoro.
Os bolivianos entram no Brasil como turistas, com visto de três meses conforme a Lei 6.815/80, Estatuto do Estrangeiro, depois deste período passam a viver indocumentados e em situação vulnerável.
“Apesar da possibilidade de regularização migratória no Brasil, por força do Acordo de Residência do Mercosul, Bolívia, Chile, Peru e Equador, os imigrantes bolivianos que vão trabalhar em oficinas de costura em São Paulo ainda encontram muita dificuldade de regularização migratória e de trabalho, seja em razão dos entraves burocráticos e mesmo por muitas vezes sequer falarem o espanhol como primeira língua, o que torna a sua situação ainda mais vulnerável e, portanto, suscetível à exploração de sua força de trabalho em condições análogas à de escravo”, explica Fabiana Severo, defensora pública federal que trabalha no combate ao trabalho escravo e acompanhou a comitiva parlamentar na Bolívia.
Parceria no combate
Os representantes do legislativo brasileiro ainda levaram em suas bagagens o desejo de construção de parcerias com instituições bolivianas para o fortalecimento do combate ao trabalho escravo.
O deputado federal Cláudio Puty, em reunião no Parlamento boliviano, propôs que fosse organizado um grupo parlamentar binacional comprometido na promoção de políticas públicas e do debate com representantes governamentais dos dois países sobre o tema.
“Acredito que devemos nos empenhar em dar visibilidade a este problema tanto no Brasil, quanto na Bolívia. Tratar este assunto apenas pela lógica de que é algo familiar não é a postura mais prudente, pois sabemos que existe uma cadeia produtiva que envolve grandes empresários da moda internacional que realmente lucram com este tipo de crime. Estes têm os melhores advogados e não são facilmente punidos. Não podemos admitir este lucro que trabalha com a perda de direitos civis e humanos”, defendeu o relator da CPI, deputado Walter Feldman (PSDB - SP).
Para construir uma possível parceria de cooperação, os deputados se reuniram com setores representativos de movimentos sindicais e movimentos de proteção às mulheres de diferentes regiões do país que demonstraram suas preocupações a respeito das condições de emprego e questões sociais dos trabalhadores bolivianos no Brasil.
Eles ainda expressaram a necessidade de criação de sistemas de geração de emprego para que seja evitada a migração “de sobrevivência”. Assim, pedem ajuda ao governo brasileiro para a criação de programas de pleno emprego na região fronteiriça.
“Eles acreditam que os trabalhadores bolivianos possam ter melhores resultados financeiros e qualidade de vida no próprio país do que no estrangeiro sendo explorados”, conta o deputado Feldman.
Os empresários bolivianos do setor têxtil também estiveram reunidos com os parlamentares brasileiros.
Eles também se veem como vítimas deste processo migratório de mão de obra. Eles se queixam de que o esforço para formação de pessoal tem sido em vão e prejudicado o desenvolvimento do setor na Bolívia, pois ao capacitarem funcionários, o que gera custo para o empresário, acabam por perdê-los para as ofertas enganosas de emprego dos aliciadores.
“Uma alternativa que apresentamos a eles foi a nossa experiência bem sucedida com o Programa Simples Nacional, que dá segurança social e traz para formalidade aqueles que estão na informalidade”, contou Oziel Oliveira (PDT - BA).
A integração econômica
Encontrar maneiras para que o boliviano não exporte pessoas para serem exploradas, mas produtos para o Brasil é o grande desafio dos dois países. Durante as reuniões com diferentes setores da sociedade ficou clara a expectativa boliviana em ter o Brasil como um forte mercado importador.
Porém, este é um assunto que exige cuidado, pois apesar do grande potencial de integração econômica Brasil-Bolívia, há riscos consideráveis como a segurança de fronteira, o narcotráfico, o contrabando e o tráfico de pessoas. Além disso, as diferenças institucionais e econômicas entre os dois países geram dificuldades para a integração comercial.
“O maior desafio que nós temos é fazer com que esta integração seja positiva. Já demos passos importantes sobre tudo na área de infraestrutura como transporte, comunicações, presença de empresas, mas ainda permanece um nível de discrepância econômica muito grande entre os dois países”, relata o embaixador do Brasil na Bolívia, Maciel Biato, há 2 anos e meio a frente da embaixada em La Paz.
O setor mais preparado para o processo de integração comercial é o têxtil, onde a Bolívia tem mão de obra qualificada e tem um mercado enorme no Brasil. Mas ainda há as limitações de escala, de capacidade técnica, de acesso a crédito, de acesso a tecnologia do lado boliviano que entravam o processo.
Já existe o movimento de autoridades bolivianas em tentar atrair empresas e cadeia produtivas brasileiras do setor têxtil para se instalarem na Bolívia e ajudar neste trabalho de alavancagem comercial do lado boliviano.
“Temos inclusive, propostas e visitas de empresários bolivianos à FIES de São Paulo. Este é um trabalho que está em curso e é uma das maiores perspectivas que podemos ter para fazer da integração algo que realmente traga benefícios para os dois lados”, conta o embaixador.
Outro modelo de integração econômica defendido pelos bolivianos seria pelo viés energético. A Bolívia é uma grande exportadora de energia para o Brasil, principalmente de gás. Empresas brasileiras poderiam ser realocadas para zona de fronteira, onde fugiram dos problemas das megacidades e se beneficiariam dos custos de mão de obra, instalação mais barata, ter acesso a energia que flui na fronteira, abastecendo o mercado brasileiro com produtos ainda mais competitivos.
A CPI do Trabalho Escravo
Foi instalada em 28 de março do ano passado e composta por 28 deputados que se dedicam a investigar a exploração do trabalho análogo ao escravo em atividades rurais e urbanas de todo território brasileiro.
Os primeiros meses de trabalho do colegiado foram dedicados ao estudo da conceituação e legislação sobre tema. Para isso, foram ouvidos órgãos fiscalizadores e legislativos, além de organizações da sociedade civil que atuam no combate ao trabalho escravo no Brasil.
Já nos últimos meses, foram organizadas diligências em distintas regiões do norte a sul do país. Audiências públicas com testemunhas, vítimas e acusados também fizeram parte das ferramentas utilizadas no processo investigatório.
A comissão se aproxima das conclusões de sua missão, mas antes disso já planeja audiência pública no próximo dia 25 no Pará, estado com maior número de casos de trabalho escravo na área rural.
Na tarde da última quinta-feira (7), a comitiva, formada por cinco deputados, da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Trabalho Escravo da Câmara, desembarcou na Bolívia com a missão de conhecer como é feito o aliciamento das vítimas de exploração do trabalho escravo no setor têxtil paulista.
A viagem, que teve duração de três dias, foi proposta pelo deputado federal Cláudio Puty (PT-PA), presidente da CPI, depois de participar de ações de resgate do Ministério do Trabalho que apontavam a Bolívia como a principal fonte de mão de obra escrava nos centros urbanos.
“Acompanhamos ações do Grupo Móvel e verificamos que a exploração da mão de obra análoga à escrava faz parte de uma complexa estrutura que além de ferir direitos humanos, prejudica fortemente a economia em nosso país. Para um combate eficaz a esta chaga, precisamos tomar medidas que contemplem o cuidado desde o aliciamento até a responsabilização do grande empresário que comercializa produtos frutos desta rede de exploração”, explica Puty.
A realidade
Os primeiros passos da comitiva no país vizinho foram em El Alto, uma cidade eminentemente indígena fundada há 28 anos a cerca de uma hora da capital La Paz. Lá encontraram pelas ruas uma série de pequenas agências de anúncio com cartazes que estampavam promessas de emprego, principalmente, para mulheres jovens em oficinas de costura na cidade de São Paulo.
Os anúncios trazem a oferta de pagamento de salários abaixo do mínimo permitido pela legislação brasileira e, mesmo assim, representam um sonho de vida melhor para os bolivianos que enfrentam atualmente uma alta taxa de desemprego e um momento econômico difícil em seu país.
Nas ruas os deputados conversaram com pessoas comuns e confirmaram esta realidade. Uma chola ao saber que se tratava de parlamentares brasileiros, fez questão de contar emocionada a história de sua filha de 20 anos que foi levada, há duas semanas, para trabalhar para seu sobrinho que lhe garantiu um salário de R$ 150 mensais.
Outra pessoa com quem conversaram foi um homem, 30 anos, que já havia voltado do Brasil. Este narrou sua saga em uma oficina de costura em São Paulo. Durante três meses trabalhou, das 7h às 23h, sem receber salário e dividindo uma cama de solteiro com um colega de trabalho. Ele ainda lembra com indignação que só conseguiu retornar à Bolívia ao se rebelar e pendurar uma placa no pescoço com a inscrição “Sou boliviano e quero volta a minha terra”.
Segundo o tenente Erick Israel, responsável pela Divisão de Tráfico de Pessoas da Polícia Nacional da Bolívia, o número de pessoas aliciadas anualmente é alto e, as principais vítimas são mulheres menores de idade. “Frequentemente recebemos queixas de pais que perderam o contato com seus filhos no Brasil e pedem nossa ajuda para reencontrá-los. Eles entram nas estatísticas dos desaparecidos que no mês de fevereiro já chega a 49 casos, destes cinco são mulheres menores de idade. Nossa média de êxito no reencontro é de 40%”, disse Erick.
O aliciamento
As vítimas da exploração narram que o aliciamento é feito pelos seus compatriotas. Muitos deles viveram a mesma experiência no passado e, agora, passaram a fazer parte de uma rede informal e lucrativa de exploração. No senso comum boliviano a prática do aliciamento não é crime, mas sim uma oportunidade oferecida que é aceita por livre e espontânea vontade pelo trabalhador migrante.
Há apenas seis meses foi criada a Lei de Combate ao Tráfico de Pessoas na Bolívia, mas até então a estrutura administrativa do Estado para sua implementação ainda não está pronta.
“Esta posição de conformismo não nos dá respaldo para aceitar que práticas desumanas aconteçam no Brasil. Caso o boliviano queira trabalhar em nosso país, a ele deve ser dada a oportunidade de emprego digno, com salário e direitos garantidos a todo trabalhador”, afirmou o presidente da CPI.
A lógica do aliciamento, apesar do desafio para coibi-la, é fácil de entender. Geralmente, bolivianos que conseguem durante alguns anos comprar maquinas de costura, passam então a convidar compatriotas e parentes para servirem de mão de obra em seus negócios.
“Eles alugam casas no interior de São Paulo e de maneira precária fazem do local uma pequena oficina de costura, sendo ali também dormitório e refeitório dos trabalhadores. A situação é desumana nestas oficinas, os trabalhadores são obrigados a cumprir uma jornada de mais de 15 horas diárias. Encontramos mães amamentando seus filhos enquanto costuravam. É algo inadmissível”, protesta o deputado Ivan Valente (PSol - SP), membro da CPI do Trabalho Escravo.
As estatísticas do Centro de Imigração apontam que 40 mil bolivianos deixam o país todo ano com destino ao Brasil. “Muitos destes não regressam, pois além das dificuldades socioeconômicas que encontram aqui, temos no imaginário de nosso povo o desejo de sair da Bolívia, mesmo sem saber que futuro nos aguarda”, afirmou a diretora do Centro de Imigração Boliviana, Cosset Esbusoro.
Os bolivianos entram no Brasil como turistas, com visto de três meses conforme a Lei 6.815/80, Estatuto do Estrangeiro, depois deste período passam a viver indocumentados e em situação vulnerável.
“Apesar da possibilidade de regularização migratória no Brasil, por força do Acordo de Residência do Mercosul, Bolívia, Chile, Peru e Equador, os imigrantes bolivianos que vão trabalhar em oficinas de costura em São Paulo ainda encontram muita dificuldade de regularização migratória e de trabalho, seja em razão dos entraves burocráticos e mesmo por muitas vezes sequer falarem o espanhol como primeira língua, o que torna a sua situação ainda mais vulnerável e, portanto, suscetível à exploração de sua força de trabalho em condições análogas à de escravo”, explica Fabiana Severo, defensora pública federal que trabalha no combate ao trabalho escravo e acompanhou a comitiva parlamentar na Bolívia.
Parceria no combate
Os representantes do legislativo brasileiro ainda levaram em suas bagagens o desejo de construção de parcerias com instituições bolivianas para o fortalecimento do combate ao trabalho escravo.
O deputado federal Cláudio Puty, em reunião no Parlamento boliviano, propôs que fosse organizado um grupo parlamentar binacional comprometido na promoção de políticas públicas e do debate com representantes governamentais dos dois países sobre o tema.
“Acredito que devemos nos empenhar em dar visibilidade a este problema tanto no Brasil, quanto na Bolívia. Tratar este assunto apenas pela lógica de que é algo familiar não é a postura mais prudente, pois sabemos que existe uma cadeia produtiva que envolve grandes empresários da moda internacional que realmente lucram com este tipo de crime. Estes têm os melhores advogados e não são facilmente punidos. Não podemos admitir este lucro que trabalha com a perda de direitos civis e humanos”, defendeu o relator da CPI, deputado Walter Feldman (PSDB - SP).
Para construir uma possível parceria de cooperação, os deputados se reuniram com setores representativos de movimentos sindicais e movimentos de proteção às mulheres de diferentes regiões do país que demonstraram suas preocupações a respeito das condições de emprego e questões sociais dos trabalhadores bolivianos no Brasil.
Eles ainda expressaram a necessidade de criação de sistemas de geração de emprego para que seja evitada a migração “de sobrevivência”. Assim, pedem ajuda ao governo brasileiro para a criação de programas de pleno emprego na região fronteiriça.
“Eles acreditam que os trabalhadores bolivianos possam ter melhores resultados financeiros e qualidade de vida no próprio país do que no estrangeiro sendo explorados”, conta o deputado Feldman.
Os empresários bolivianos do setor têxtil também estiveram reunidos com os parlamentares brasileiros.
Eles também se veem como vítimas deste processo migratório de mão de obra. Eles se queixam de que o esforço para formação de pessoal tem sido em vão e prejudicado o desenvolvimento do setor na Bolívia, pois ao capacitarem funcionários, o que gera custo para o empresário, acabam por perdê-los para as ofertas enganosas de emprego dos aliciadores.
“Uma alternativa que apresentamos a eles foi a nossa experiência bem sucedida com o Programa Simples Nacional, que dá segurança social e traz para formalidade aqueles que estão na informalidade”, contou Oziel Oliveira (PDT - BA).
A integração econômica
Encontrar maneiras para que o boliviano não exporte pessoas para serem exploradas, mas produtos para o Brasil é o grande desafio dos dois países. Durante as reuniões com diferentes setores da sociedade ficou clara a expectativa boliviana em ter o Brasil como um forte mercado importador.
Porém, este é um assunto que exige cuidado, pois apesar do grande potencial de integração econômica Brasil-Bolívia, há riscos consideráveis como a segurança de fronteira, o narcotráfico, o contrabando e o tráfico de pessoas. Além disso, as diferenças institucionais e econômicas entre os dois países geram dificuldades para a integração comercial.
“O maior desafio que nós temos é fazer com que esta integração seja positiva. Já demos passos importantes sobre tudo na área de infraestrutura como transporte, comunicações, presença de empresas, mas ainda permanece um nível de discrepância econômica muito grande entre os dois países”, relata o embaixador do Brasil na Bolívia, Maciel Biato, há 2 anos e meio a frente da embaixada em La Paz.
O setor mais preparado para o processo de integração comercial é o têxtil, onde a Bolívia tem mão de obra qualificada e tem um mercado enorme no Brasil. Mas ainda há as limitações de escala, de capacidade técnica, de acesso a crédito, de acesso a tecnologia do lado boliviano que entravam o processo.
Já existe o movimento de autoridades bolivianas em tentar atrair empresas e cadeia produtivas brasileiras do setor têxtil para se instalarem na Bolívia e ajudar neste trabalho de alavancagem comercial do lado boliviano.
“Temos inclusive, propostas e visitas de empresários bolivianos à FIES de São Paulo. Este é um trabalho que está em curso e é uma das maiores perspectivas que podemos ter para fazer da integração algo que realmente traga benefícios para os dois lados”, conta o embaixador.
Outro modelo de integração econômica defendido pelos bolivianos seria pelo viés energético. A Bolívia é uma grande exportadora de energia para o Brasil, principalmente de gás. Empresas brasileiras poderiam ser realocadas para zona de fronteira, onde fugiram dos problemas das megacidades e se beneficiariam dos custos de mão de obra, instalação mais barata, ter acesso a energia que flui na fronteira, abastecendo o mercado brasileiro com produtos ainda mais competitivos.
A CPI do Trabalho Escravo
Foi instalada em 28 de março do ano passado e composta por 28 deputados que se dedicam a investigar a exploração do trabalho análogo ao escravo em atividades rurais e urbanas de todo território brasileiro.
Os primeiros meses de trabalho do colegiado foram dedicados ao estudo da conceituação e legislação sobre tema. Para isso, foram ouvidos órgãos fiscalizadores e legislativos, além de organizações da sociedade civil que atuam no combate ao trabalho escravo no Brasil.
Já nos últimos meses, foram organizadas diligências em distintas regiões do norte a sul do país. Audiências públicas com testemunhas, vítimas e acusados também fizeram parte das ferramentas utilizadas no processo investigatório.
A comissão se aproxima das conclusões de sua missão, mas antes disso já planeja audiência pública no próximo dia 25 no Pará, estado com maior número de casos de trabalho escravo na área rural.

terça-feira, 12 de março de 2013

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Vladimir Chaves


 MULHERES DO ARAGUAIA: TRAÇOS COMUNS ENTRE AS COMUNISTAS
A Comissão da Verdade “Rubens Paiva” da Assembleia Legislativa de São Paulo realizou hoje (07) uma audiência pública para coletar informações sobre as mulheres paulistas que participaram da Guerrilha do Araguaia.
Entre todos os depoimentos foi possível pincelar alguns traços da personalidade das guerrilheiras, traços que também estão presentes nas mulheres militantes do PCdoB na atualidade. A herança é valorosa, afinal, não é qualquer partido político que tem em sua história a marca de protagonismo, entusiasmo, convicção, dedicação, serenidade, solidariedade, abnegação e consciência do papel que pode jogar para a construção de uma sociedade mais justa.
Maria Amélia de Almeida Teles, a Amelinha, que também foi presa pelas forças represssoras, abriu a audiência para relatar a dor que muitas mulheres passaram no período da ditadura militar.
Segundo Maria Amélia, as militantes apoiaram todos os tipos de protestos e manifestações, sendo eles armados ou não.
“Essas mulheres tiveram suas crianças na clandestinidade, nas prisões. Viram suas crianças expostas às sessões de tortura, ameaçadas ou mesmo torturadas. Elas sofreram abortos dolorosos”, ressentiu Amelinha.

Helenira Resende de Souza Nazareth
Pela tática arquitetada pelos dirigentes, havia mais de uma frente e, segundo a Criméia Alice Schmidt de Almeida, também atuante nas terras de Xambioá, Helenira ficou muito conhecida porque pertencia ao destacamento C, que foi o primeiro a ser atacado.
Helenira, que foi vice-presidente da União Nacional dos Estudantes, atuava no movimento estudantil da Universidade de São Paulo e auxiliou a formação do Centro Acadêmico de Letras (CAEL). Foi lá que conheceu a então estudante Cláudia de Arruda Campos.
“A primeira impressão que tive da Helenira foi: meu Deus, que mulher mais bonita. E a segunda foi a seguinte: que mulher inteligente”. As duas organizavam as lutas do Centro Acadêmico, “mas era Helenira que era a nossa figura pública”.
Protagonista e firme, Helenira formou gerações na universidade estadual. Antes de partir para o Araguaia, encontrou a irmã Helenalda Resende no dia do seu casamento.
“Ela estava escondida perto da porta e foi lá me ver, me deu um abraço e foi embora”, recordou-se Helenalda, que até hoje luta para que os documentos que retratam a morte da irmã tornem-se públicos, assim como onde está a sua ossada.
Crimeia lembrou dos traços da personalidade da combatente. “Ela era muito decidida, brincalhona, bonita e exigente. Ela tinha muita consciência da discriminação que sofria por ser mulher e negra. Ela tinha muito orgulho disso”, relembrou.
Helenira que chegou a usar o codinome Fátima, era conhecida na universidade como “Preta”.
Everaldo Gonçalvez, outro colega de universidade ressaltou as qualidades da guerrilheira como “uma pessoa muito vibrante e de decisão quando falava. Ela era sempre vibrante”.

Maria Lúcia Petit da Silva
Maria, como era chamada na ação de combate à repressão, era ainda uma menina quando ingressou na militância política. A sua porta de entrada foi o movimento secundarista paulista que conheceu quando estudava Instituto de Educação Fernão Dias, que fica bairro de Pinheiros. Depois de ser formar, cursou magistério e passou a dar aulas para crianças em uma escola da zona norte da capital. Paciente e serena, ela se “entusiasmava com a sua experiência com as crianças”.
Um traço marcante dos comunistas, principalmente dos jovens é a fé no ser humano. Talvez, seja por isso que Maria não desconfiou de João Coioió, camponês infiltrado que armou a emboscada para a sua morte.
A matriarca da família Petit teve mais dois filhos mortos pela ditadura, Jaime e Lúcio Petit. “Ela morreu sem saber o paradeiro da filha e chegou presumir que os filhos estavam exilados e justamente por isso, não podiam entrar em contato com os parentes”, informou Laura Petit, irmã de Maria Lúcia.

Luiza Augusta Garlippe
Luiza veio do interior do estado de São Paulo para estudar enfermagem na Universidade de São Paulo. Chegou a ser enfermeira-chefe e ajudou a construir a Associação dos Funcionários do Hospital das Clínicas (HC).
Seu irmão Saulo Garlippe, que também era do PCdoB naquela época, a viu pela última vez em um encontro marcado, em frente ao Cine Jóia, no centro da cidade. A maior preocupação de Luiza antes de ir para a guerrilha era com a sua família.
“Ela me falou que estava indo fazer um trabalho militante no Araguaia, mas me pediu para eu cuidar da nossa família”. A militante pediu para o irmão inventar uma mentira sobre a sua ausência para não preocupar e expor a sua família.

Suely Yumiko Kanayama
A estudiosa e descendente de japonês Suely Yumiko Kanayama passou com louvor entre os vinte primeiros colocados no vestibular da USP para cursar língua portuguesa e germânica.
A Pequenina Suely foi a última a chegar na região do Araguaia. A sua estatura e físico chegou a preocupar os militantes que já estavam lá. “Ela era mesmo muito pequenininha, era a tradicional figura de uma nissei”, disse Cláudia Arruda que foi a “recrutadora” da estudante de letras.
Segundo Cláudia, Suely era muito carinhosa e amiga. “Eu ficava brincando de pegar o pézinho dela e a gente ria dessa brincadeira”.
Conhecida como “Chica”, a militante do destacamento B da Guerrilha é lembrada como uma mulher decidida. Cláudia citou uma frase que ouviu a respeito de Suely: “Ela era como um samurai, que nos orgulhou com a sua firmeza e ultrapassou todos os seus limites para defender aquilo que ela acreditava”, rememorou a colega.


Fonte - Vermelho

domingo, 10 de março de 2013

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Sobre golpe militar e a ditadura militar-facista


Vladimir Chaves



Tarde de quinta-feira, 29 de março de 2012. Em frente ao Clube Militar, na Cinelândia, centro do Rio, manifestantes promovem escracho de militares fascistas – muitos deles assassinos, torturadores e estupradores – lá reunidos para “comemorar” o vergonhoso golpe militar de 1964, quando fascistas fardados rasgaram a Constituição e instauraram uma ditadura sanguinária que infelicitou a nação por mais de duas décadas. Os manifestantes foram reprimidos pela polícia.
Esclareci que a foto não mostrava herois, mas a indignação e a repulsa de manifestantes contra a comemoração do golpe militar de 1964 por militares fascistas no Clube Militar.
Repudiavam-se assassinos e torturadores de presos políticos, e também estupradores de presas politicas (ignomia, aliás, pouco divulgada por razões de constrangimento das vítimas).
Expliquei, ainda, que são quatro os heróis da FEB, todos eles detentores da medalha de ouro Cruz de Combate de Primeira Classe, a maior condecoração brasileira em tempo de guerra, que constitui, por isso mesmo, um justo reconhecimento como heroi da pátria aos que se destacaram por ato de bravura individual em combate.
Citei dois dos quatro herois: o capitão da reserva Salomão Malina, ex-secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e meu pai, o coronel do Exército, da arma de Infantaria, pioneiro do paraquedismo, Alírio Granja, encarcerado em 1964 no Forte Copacabana por se opor ao golpe militar-fascista, perfilando-se, no cumprimento de seu dever de militar patriota, na defesa da legalidade democrática.
Esse meu esclarecimento sobre a história militar do Brasil ensejou uma discussão sobre as circunstâncias históricas do golpe militar e sobre a responsabilidade ? pelos crimes hediondos cometidos na repressão aos opositores pelos sucessivos governos militares ? dos militares que se locupletaram durante a ditadura com altos cargos e salários nababescos em estatais (isso sem falar das “tenebrosas transações” encobertas pelo regime de excessão), mas também um debate: primeiro, sobre o caráter militar do golpe de 64; em seguida, sobre o caráter militar-fascista do regime ditatorial por ele instaurado.
Antes, porém, vale  recordar o 13 de março de 1964, quando o presidente João Goulart pronunciou o famoso discurso do comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro.  Conhecido também como o Comício das Reformas de Base, nele Jango comprometeu o governo com a luta por mudanças estruturais no país.
O Presidente da República anunciou ao povo reunido em praça pública que decretara a estatização das refinárias de petróleo e que encaminharia ao Congresso Nacional um conjunto de reformas, cujos tópicos mais significativos eram: início da reforma agrária, com a desapropriação das terras com mais de 600 hectares às margens das rodovias federais, das ferrovias e dos açudes, bem como das grandes propriedades valorizadas por obras públicas; reforma educacional, com a destinação de pelo menos 15% da renda nacional para a educação, e a erradicação do analfabetismo, com base no método Paulo Freire; controle sobre as remessas de lucro para o exterior;  reforma tributária para instituir a progressividade das alíquotas do imposto de renda de acordo com a capacidade contributiva do cidadão; reforma eleitoral com ampliação dos direitos de votar e ser votado aos analfabetos e aos praças das Forças Armadas, além da coerção à interferência do poder econômico nas campanhas eleitorais.
Contra esse reformismo (que, ainda hoje, não perdeu de todo sua atualidade) foi dado o golpe militar de 1964.
Não há dúvida de que por trás dos militares golpistas estavam os interesses contrariados de diversas facções das classes dominantes e do imperialismo. Sabe-se, inclusive, que a Sétima Frota dos Estados Unidos fora enviada ao litoral brasileiro para reforçar militarmente os golpista caso se fizesse necessário.
Não há duvida tampouco sobre a existência de uma campanha de imprensa orquestrada para desestabilizar o governo e do assédio dos setores conservadores sobre os quarteis para que as Forças Armadas aderissem à solução golpista.
O alinhamento da imprensa grande com o movimento golpista foi manifestado nos editoriais dos principais jornais do país, comemorando a queda de João Goulart:
O editorial do JB, que rigorosamente não diz nada além de baboseiras, deixa tudo bem claro:
“Desde ontem se instalou no País a verdadeira legalidade … Legalidade que o caudilho não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem. (…) A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas.(…)  Golpe – crime só punível pela deposição pura e simples do Presidente. Atentar contra a Federação é crime de lesa-pátria. Aqui acusamos o Sr. João Goulart de crime de lesa-pátria. Jogou-nos na luta fratricida, desordem social e corrupção generalizada. “[JB, 01/04/1964]
O editorial de O Globo não fica atrás em seu regozijo pela derrocada da ordem democrática:
“Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas (…) para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas (…) o Brasil livrou-se do Governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições. (…) Poderemos, desde hoje, encarar o futuro confiantemente (…) Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares, que os protegeram de seus inimigos. (…) Aliaram-se os mais ilustres líderes políticos, os mais respeitados Governadores, com o mesmo intuito redentor que animou as Forças Armadas. Era a sorte da democracia no Brasil que estava em jogo.(…) A esses líderes civis devemos, igualmente, externar a gratidão de nosso povo.(…) Se os banidos, para intrigarem os brasileiros com seus líderes e com os chefes militares, afirmarem o contrário, estarão mentindo, estarão, como sempre, procurando engodar as massas trabalhadoras, que não lhes devem dar ouvidos (…).” [O Globo, 02/04/1964]
Textos golpistas, que proclamam em alto e bom som o compromisso antidemocrática da grande imprensa brasileira.  Corroboram a coerência da imprensa grande no espírito do golpismo que sempre foi a seiva da qual se nutriu o jornalismo empresarial neste país.
Fica, no entanto, uma perplexidade: mas, então, não havia censura à imprensa durante a ditadura militar?
Quem responde é o jornalista Mino Carta: “Em cima da destruição da memória, alguns jornais inventam que sofreram censura. O Jornal do Brasil nunca foi censurado. A Folha de São Paulo nunca foi censurada”. E Mino Carta diz mais:
“A Folha de São Paulo não só nunca foi censurada, como emprestava a sua C-14 [carro tipo perua, usado para transportar o jornal] para recolher torturados ou pessoas que iriam ser torturadas na Oban [Operação Bandeirante]. Isso está mais do que provado. É uma das obras-primas da Folha, porque o senhor Caldeira [Carlos Caldeira Filho], que era sócio do senhor Frias [Octavio Frias de Oliveira], tinha relações muito íntimas com os militares. E hoje você vê esses anúncios da Folha – o jornal desse menino idiota chamado Otavinho [Otavio Frias Filho] – esses anúncios contam de um jeito que parece que a Folha, nos anos de chumbo, sofreu muito, mas não sofreu nada. Quando houve uma mínima pressão, o sr. Frias afastou o Cláudio Abramo da direção do jornal. Digo que foi a “mínima pressão” porque o sr. Frias estava envolvido na pior das candidaturas possíveis, na sucessão do general Geisel. A Folha estava envolvida com o pior, apoiava o Frota [general Sílvio Frota, ministro do Exército no governo Geisel]. O Claudio Abramo foi afastado por isso . O jornal O Globo também não foi censurado. Isso é uma piada.” [Entrevista com Mino Carta. por Adriana Souza Silva, da Redação AOL, abril de 2004]
O golpe de Estado de 1º de abril de 1964 se insere nitidamente nas lutas de classes do período em nosso país.
Para quem quiser se aprofundar nos meandros da ação sediciosa das elites, há uma vasta literatura, mas recomendo especialmente o livro de René Dreifuss, “1964: A conquista do Estado”.
Parece-me, no entanto, incorreto caracterizar o golpe de 64 como civil-militar, e isso porque o seu comando político-militar esteve sempre firmemente sob o controle de oficiais generais das Forças Armadas, mas também porque, além da sua condução, todo o processo golpista se operou nos quartéis e através da mobilização de tropas regulares. Do mesmo modo como foi militar (e não civil-militar) o regime ditatorial instaurado, porque esteve o tempo todo sob o completo ordenamento do alto comando das Forças Armadas.
Basta comparar com o havido em 1961: de um lado, uma tentativa, finalmente derrotada, de golpe militar; de outro, um contragolpe civil-militar, parcialmente vitorioso no compromisso que prevaleceu. O golpe em marcha era militar porque fruto da mobilização de tropas regulares sob o comando dos três ministros militares. O contragolpe foi civil-militar porque na sua articulação político-militar foi decisivo o protagonismo de Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, e das massas populares mobilizadas para o combate.
Essa distinção é importante para compreender o caráter militar-fascista da ditadura que se instaurou pela ação dos militares golpistas.
O que discuto aqui é a forma da articulação político-militar que operou o golpe de Estado e o regime que daí surgiu, considerando que está claro o seu caráter de classe. Pretendo esclarecer as mediações político-ideológicas (“superestruturais”) imediatamente decisivas, não as determinações em última instância.
O caráter militar do regime fica bem marcado pelo fato de os presidentes da República serem invariavelmente generais-de-exército de quatro estrelas.  Isso expressa também a hegemonia do Exército sobre as outras forças.
Tanto era militar o regime ditatorial, que, quando houve um vice-presidente civil, Pedro Aleixo, este foi impugnado e não pode assumir a Presidência da República no impedimento do general-presidente. Neste como em todos os casos de crise institucional, o alto comando das Forças Armadas agiu em conjunto, envolvendo as três forças na preservação do caráter militar do regime.
À noite, no mesmo local, o escracho volta à carga, desta feita com a projeção do espectro do martírio de Vladimir Herzog sobre a fachada do Clube Militar.
E , se é verdade que, desde Médici, o número de civis no ministério e no primeiro escalão do governo foi aumentando, assim como é verdade que sempre foram civis os ministros da Fazenda e do Planejamento, isso nunca implicou um deslocamento do centro de decisão estratégica do poder.  Neste sentido, os militares jamais compartilharam o poder com a elite civil.
Está claro que se tratava de um regime militar, ideologicamente fascista.  E digo ditadura militar-fascista para diferenciar dos regimes fascistas típicos, porque estes se caracterizaram pelo protagonismo de um partido orgânico, fortemente centralizado num líder carismático e de base de massas, além de milícias paramilitares, integradas pelas massas mobilizadas pela ideologia fascista, por fora da cadeia hierárquica das Forças Armadas (como foram os casos canônicos da Itália e da Alemanha). De modo distinto, o militar-fascismo opera diretamente através dos quartéis e sob o comando político-militar da cadeia hierárquica das Forças Armadas, regulares. Trata-se, portanto, de um fascismo militar-defectivo.
Esse caráter defectivo tem raízes na nossa história.
Como se sabe, Roberto Schwarz apontou “as idéias fora de lugar” como uma característica da formação ideológica em nosso país.  Mostrou como o nosso liberalismo era uma ideologia de segundo grau, retórica, enquanto o mecanismo do favor operava as relações entre a classe dominante e a classe média na zona de hegemonia da formação social brasileira, ao passo que a dominação com base no assujeitamento pela força, típico da escravidão, prescindia da mediação ideológica nas relações de produção.
Essa questão da ideologia de segundo grau demanda uma explicação.   Como observa Carlos Nelson Coutinho, no Brasil, mesmo na época da subordinação formal, (quando o modo de produção interno ainda não era capitalista), as classes dominantes de nossa formação social encontravam suas expressões ideológicas e culturais na Europa burguesa.
É nesse sentido que se pode dizer que as idéias estavam fora de lugar e constituíam uma ideologia de segundo grau.  É porque não encontravam correspondência nas relações de produção escravistas então dominantes na formação social brasileira.  Adverte-se aí uma incongruência constitutiva da formação ideológica.  Essa incongruência entre base material (escravista) e superestrutura (liberal) deixa suas marcas na formação ideológica mesmo depois de efetuada a transição da subsunção formal para a subsunção real do modo de produção interno.
Na origem da nossa República, o florianismo pode ser caracterizado como um jacobinismo militar-defectivo: defectivo porque tinha um temperamento jacobino, mas faltava-lhe um adequado conteúdo jacobino (basicamente sem um programa de reforma agrária).
Ser defectivo tem consequências políticas graves.
No caso do florianismo, ele não se sustentou no poder, embora tenha seus herdeiros históricos no tenentismo.
No caso do regime militar-fascista, ele, por um lado, se assenta numa zona de hegemonia sócio-política que não se constitui com base num consentimento ativo dos governados, mas principalmente na passividade das amplas massas (obtida, em grande medida, através da repressão mais brutal); por outro, e por isso mesmo, ele depende do êxito na esfera econômica (“milagre econômico”) para se legitimar e garantir a governabilidade.
Está aí porque o fim do “milagre econômico” foi o começo do fim da ditadura militar-fascista.

Por Sergio Granja - pesquisador da Fundação Lauro Campos

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À Venezuela o que era de Chávez


Vladimir Chaves


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À Venezuela o que era de Chávez

O processo, que era para ser lento na medida do possível, se precipitou de maneira inevitável – e talvez imprevista. 
Na noite da segunda-feira, dia 4, o ministro venezuelano de Comunicação, Ernesto Villegas, informou oficialmente ao país que tinha havido uma piora considerável no estado de saúde do presidente Hugo Chávez. 
O anúncio foi feito por uma cadeia de rádio e televisão, tarde da noite, e foi devastador para as esperanças de milhões de venezuelanos, que já vinham de uma prolongada tensão desde que, em dezembro passado, tinham sido informados que o câncer que afetava seu presidente desde meados de 2011 havia retomado com força.
Na tarde do dia seguinte, terça-feira, houve, primeiro, um novo impacto: Nicolás Maduro, vice-presidente, nomeado candidato a sucedê-lo pelo próprio Chávez, participou de uma solene reunião da direção político-militar da Revolução Bolivariana. Estavam lá todos os ministros, os 20 governadores estaduais filiados ao movimento encabeçado por Chávez, muitos prefeitos – e, claro, os mais altos mandos militares. 
A ausência do presidente da Assembléia Nacional, Diosdado Cabello, tinha plena justificativa: a morte de sua mãe naquele mesmo dia. 
Ou seja: o tempo previsto, ou esperado, para preparar a difícil e delicada transição do chavismo com Chávez para o chavismo sem Chávez encolheu de maneira dramática. 
E depois da tal reunião solene, houve outro pronunciamento de Nicolás Maduro, para comunicar o que todos temiam, esperavam e pareciam não acreditar: a morte de Hugo Chávez.
O tempo previsto – se é que alguém previu – para anunciar o desaparecimento do condutor máximo da Revolução Bolivariana, do Socialismo do Século XXI, foi cortado bruscamente. Aquilo que era óbvio, mas parecia adiável, aconteceu. 
Chávez morreu sem assumir seu novo mandato presidencial, e deixou um herdeiro que não tem seu carisma, e muito menos seu peso nas Forças Armadas, onde afinal reside o verdadeiro núcleo do poder.
Agora, tudo são suposições na Venezuela. De concreto, além da morte de Chávez, apenas a certeza de que as diferentes correntes do chavismo tratarão de se entender, até mesmo para não desaparecer em estilhaços ao léu. 
O projeto bolivariano alcançou resultados indiscutíveis em termos de mudança na estrutura social da Venezuela. E tudo isso aconteceu girando ao redor de um só eixo: o próprio Hugo Chávez. Que, como todo líder, teve à sua volta, em diferentes ocasiões, diferentes integrantes de um núcleo duro. 
Ao longo de seus longos anos no poder, Chávez não construiu, ou não pôde construir, uma figura absolutamente leal para substituí-lo numa eventualidade qualquer – desde a mais funesta, que acabou ocorrendo, até uma eventualidade política. 
Só recentemente, em dezembro passado, quando soube que o câncer que acabaria por matá-lo havia voltado e em condições extremamente agressivas, anunciou o nome que estava debaixo de uma vasta e meticulosa lupa desde alguns poucos meses, quando soube da própria fragilidade. 
Chávez, com apoio dos cubanos, quis que fosse Nicolás Maduro, um dos nomes mais próximos nos últimos tempos. Nada garante, porém, que os outros nomes mais próximos tenham aceito essa escolha sem ressentimentos. 
A partir de agora, cada movimento será decisivo, como num minueto impreciso que busca a precisão da sobrevivência. O que fará Diosdado Cabello, militar como Chávez, com grande influência nas Forças Armadas, presidente da Assembléia Nacional? E Elias Jaua, sociólogo bem formado e bem estruturado, vindo da extrema esquerda e um dos cabeças do radicalismo chavista mais radical? E Francisco Arias Cárdenas, também militar, um estranho militar intelectualizado, com forte influência entre os novos governadores saídos da caserna e eleitos em outubro passado? E finalmente, que fará o físico Adán Chávez, irmão mais velho do presidente morto e seu principal mentor ideológico?
Essas são algumas das muitas, muitíssimas perguntas que os venezuelanos se fazem. Mas há outras, mais urgentes e prementes.
O que será da Venezuela? E de Cuba? E da Jamaica, da Nicarágua, da Bolívia e, em boa medida, da Argentina? E do Equador? E das conversações de paz da Colômbia? E da Aliança Bolivariana? E da Unasul, que Chávez e o então presidente argentino Nestor Kirchner, junto com Lula, tanto impulsionaram?
Como se comportarão as forças armadas venezuelanas? Qual será a atitude da Força Aérea, considerada a menos chavista das forças militares? 
A América Latina não perdeu apenas um presidente forte, polêmico, muitas vezes contraditório. Não perdeu apenas um símbolo de transformações reais. Não perdeu um líder – discutido, sim, mas dono de uma liderança indiscutível. 
Perdeu isso e muito mais. Quanto? O tempo dirá. Mas perdeu muito, muitíssimo.
Na noite da morte do presidente Hugo Chávez, um amigo venezuelano me escreveu: “Era um gigante”. 
Pois era isso e muito mais. Agora é preciso ver o que fazer com seu legado. 
E, principalmente, ver como assegurar à Venezuela e à nossa Pátria Grande o futuro que Hugo Chávez ajudou, com todos seus erros e acertos, com todas as suas conquistas e contradições, com todas as suas tragédias e esperanças, a planejar e sonhar. 
Por Eric Nepomuceno, na Carta Maior
O processo, que era para ser lento na medida do possível, se precipitou de maneira inevitável – e talvez imprevista.

Na noite da segunda-feira, dia 4, o ministro venezuelano de Comunicação, Ernesto Villegas, informou oficialmente ao país que tinha havido uma piora considerável no estado de saúde do presidente Hugo Chávez.

O anúncio foi feito por uma cadeia de rádio e televisão, tarde da noite, e foi devastador para as esperanças de milhões de venezuelanos, que já vinham de uma prolongada tensão desde que, em dezembro passado, tinham sido informados que o câncer que afetava seu presidente desde meados de 2011 havia retomado com força.

Na tarde do dia seguinte, terça-feira, houve, primeiro, um novo impacto: Nicolás Maduro, vice-presidente, nomeado candidato a sucedê-lo pelo próprio Chávez, participou de uma solene reunião da direção político-militar da Revolução Bolivariana. Estavam lá todos os ministros, os 20 governadores estaduais filiados ao movimento encabeçado por Chávez, muitos prefeitos – e, claro, os mais altos mandos militares.

A ausência do presidente da Assembléia Nacional, Diosdado Cabello, tinha plena justificativa: a morte de sua mãe naquele mesmo dia.

Ou seja: o tempo previsto, ou esperado, para preparar a difícil e delicada transição do chavismo com Chávez para o chavismo sem Chávez encolheu de maneira dramática.

E depois da tal reunião solene, houve outro pronunciamento de Nicolás Maduro, para comunicar o que todos temiam, esperavam e pareciam não acreditar: a morte de Hugo Chávez.

O tempo previsto – se é que alguém previu – para anunciar o desaparecimento do condutor máximo da Revolução Bolivariana, do Socialismo do Século XXI, foi cortado bruscamente. Aquilo que era óbvio, mas parecia adiável, aconteceu.

Chávez morreu sem assumir seu novo mandato presidencial, e deixou um herdeiro que não tem seu carisma, e muito menos seu peso nas Forças Armadas, onde afinal reside o verdadeiro núcleo do poder.

Agora, tudo são suposições na Venezuela. De concreto, além da morte de Chávez, apenas a certeza de que as diferentes correntes do chavismo tratarão de se entender, até mesmo para não desaparecer em estilhaços ao léu.

O projeto bolivariano alcançou resultados indiscutíveis em termos de mudança na estrutura social da Venezuela. E tudo isso aconteceu girando ao redor de um só eixo: o próprio Hugo Chávez. Que, como todo líder, teve à sua volta, em diferentes ocasiões, diferentes integrantes de um núcleo duro.

Ao longo de seus longos anos no poder, Chávez não construiu, ou não pôde construir, uma figura absolutamente leal para substituí-lo numa eventualidade qualquer – desde a mais funesta, que acabou ocorrendo, até uma eventualidade política.

Só recentemente, em dezembro passado, quando soube que o câncer que acabaria por matá-lo havia voltado e em condições extremamente agressivas, anunciou o nome que estava debaixo de uma vasta e meticulosa lupa desde alguns poucos meses, quando soube da própria fragilidade.

Chávez, com apoio dos cubanos, quis que fosse Nicolás Maduro, um dos nomes mais próximos nos últimos tempos. Nada garante, porém, que os outros nomes mais próximos tenham aceito essa escolha sem ressentimentos.

A partir de agora, cada movimento será decisivo, como num minueto impreciso que busca a precisão da sobrevivência. O que fará Diosdado Cabello, militar como Chávez, com grande influência nas Forças Armadas, presidente da Assembléia Nacional? E Elias Jaua, sociólogo bem formado e bem estruturado, vindo da extrema esquerda e um dos cabeças do radicalismo chavista mais radical? E Francisco Arias Cárdenas, também militar, um estranho militar intelectualizado, com forte influência entre os novos governadores saídos da caserna e eleitos em outubro passado? E finalmente, que fará o físico Adán Chávez, irmão mais velho do presidente morto e seu principal mentor ideológico?

Essas são algumas das muitas, muitíssimas perguntas que os venezuelanos se fazem. Mas há outras, mais urgentes e prementes.

O que será da Venezuela? E de Cuba? E da Jamaica, da Nicarágua, da Bolívia e, em boa medida, da Argentina? E do Equador? E das conversações de paz da Colômbia? E da Aliança Bolivariana? E da Unasul, que Chávez e o então presidente argentino Nestor Kirchner, junto com Lula, tanto impulsionaram?

Como se comportarão as forças armadas venezuelanas? Qual será a atitude da Força Aérea, considerada a menos chavista das forças militares?

A América Latina não perdeu apenas um presidente forte, polêmico, muitas vezes contraditório. Não perdeu apenas um símbolo de transformações reais. Não perdeu um líder – discutido, sim, mas dono de uma liderança indiscutível.

Perdeu isso e muito mais. Quanto? O tempo dirá. Mas perdeu muito, muitíssimo.

Na noite da morte do presidente Hugo Chávez, um amigo venezuelano me escreveu: “Era um gigante”.

Pois era isso e muito mais. Agora é preciso ver o que fazer com seu legado.

E, principalmente, ver como assegurar à Venezuela e à nossa Pátria Grande o futuro que Hugo Chávez ajudou, com todos seus erros e acertos, com todas as suas conquistas e contradições, com todas as suas tragédias e esperanças, a planejar e sonhar. 

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