Qualquer brasileiro que já
tenha trocado o piso do banheiro ou dado uma repaginada em algum cômodo da
casa, deve saber perfeitamente que reforma nunca é uma tarefa muito agradável –
mesmo quando os benefícios são válidos, a sujeira é inevitável.
Agora, imagine que você
tenha de fazer uma obra emergencial em um momento delicado pra você.
Desempregado, sem dinheiro, entregue ao azar. Consegue imaginar a dor de
cabeça? Se a sua resposta for positiva, você provavelmente já sacou qual o
maior problema da economia brasileira nas últimas décadas:
Reformar algo no Brasil
nunca é simplesmente uma opção para melhorar, mas para evitar que a vaca vá pro
brejo.
Puxe na memória – ou faça
algo ainda mais simples: procure no Google. Quando foram realizadas as últimas
reformas realmente importantes da economia brasileira? Você tem alguma noção?
Precisará de muito esforço. Por aqui, realizamos reformas em tempos de crise,
buscando fugir de problemas que poderiam muito bem ter sido evitados se
tivéssemos topado nos precaver quando as coisas iam bem.
Se você está se
perguntando por que decidimos propor tantas reformas agora, olhe para este
mesmo Congresso e se pergunte: algum desses caras teria coragem de propor
mudanças de verdade num momento em que a economia brasileira estava bombando
(resultado de uma série de circunstâncias distintas)? A resposta não é tão
difícil assim. E os deputados que talvez tivessem proposto algo dificilmente
encontrariam outros dispostos a mexer em time que está ganhando.
Em meio a esta agitação e
num cenário conturbado onde o desemprego já atinge 12 milhões de pessoas, pelas
contas do IBGE, o Congresso decidiu levar para votação justamente uma das mais
sensíveis reformas que viemos adiando nos últimos anos: a trabalhista.
O resultado, como era
previsível, é uma disputa de visões – e, especialmente, um conflito de
interesses. Para os sindicatos, fortemente afetados com o fim do imposto
sindical, que retira R$ 3,9 bilhões anuais dos seus cofres, a reforma fragiliza
as relações trabalhistas. Por outro lado, há aqueles que defendem que mudanças
como estas simplificam as relações entre patrões e empregados e facilitam
contratações – diminuindo o desemprego.
Se você está perdido no
meio dessa batalha, está no lugar certo. Aqui, elaboramos um guia prático sobre
os pontos mais relevantes da reforma aprovada pelo Congresso – e em que tudo
isso impacta na sua vida.
Afinal, de onde saiu este
papo de reforma trabalhista?
Criada em uma época onde
mais da metade da população brasileira ainda vivia no campo e alfabetização e
energia elétrica eram artigos de luxo, a Consolidação das Leis Trabalhistas,
que você conhece como CLT, é provavelmente uma das legislações mais controversas
do país – e razões para isso não faltam.
Como comenta o professor
José Pastore, da FEA-USP, “hoje, boa parte da lei perdeu o sentido, porque as
condições de trabalho, de tecnologia e de produção mudaram completamente.”
Apesar disso, no entanto,
a CLT é bem menos abrangente do que aparenta: nada menos do que quatro em cada
cinco brasileiros em idade produtiva, ou metade dos que efetivamente trabalham,
estão fora da sua zona de cobertura. Nas regiões Norte e Nordeste, o índice de
trabalhadores com cobertura da legislação mal passa dos 40%, enquanto no
Sudeste, região mais industrializada, atinge o pico de 60%.
Em boa parte, a
informalidade tem como causa a própria legislação. Segundo um estudo da
consultoria internacional UHY, em nenhum país do mundo pagam-se tantos impostos
sobre o trabalho quanto no Brasil. Por aqui, a cada R$ 100 recebidos pelo
trabalhador, R$ 57,56 são imposto puro – vão parar nas mãos do Estado. Some a
isso os benefícios trabalhistas, o custo do tempo não trabalhado (como os feriados),
os custos de treinamento, administração de pessoal, cotas, reposições e, na
prática, a cada R$ 1.000 em salários, cada empresa acaba tendo de despender R$
2.920,00. Não fazia ideia? Saca só.
Imagine, por exemplo, que
um adolescente sem escolaridade que tenha completado sua maioridade
recentemente precise produzir três salários mínimos na esperança de receber um
salário de fato. Parece improvável ele se dar bem no final dessa história? Não
é exatamente uma coincidência que um em cada quatro jovens brasileiros que
procura por emprego esteja desempregado – o dobro da média nacional.
Para boa parte dos que
defendem uma reforma, a maior preocupação com o fato de que, em 2017, lidamos
com relações de trabalho a partir de uma lei escrita em 1943, está na dificuldade
de enquadrar novas formas de trabalho e proteger os trabalhadores ao mesmo
tempo. Relações de trabalho a distância (como o home office) ou a de um
motorista de aplicativos como o Uber ou o Cabify, por exemplo, não estão
previstas na legislação – e, portanto, acabam tornando vulneráveis aqueles que
estão nesta situação. Da mesma forma, trabalhadores terceirizados são excluídos
do jogo.
A relação entre
informalidade e renda menor é direta. Menos proteção jurídica leva os
trabalhadores a terem fontes de renda mais incertas, gerando ganhos menores
para as famílias. A superproteção, no entanto, acaba criando um problema tão
grave quanto. Temos por aqui metade dos processos trabalhistas do mundo. São 3
milhões de processos a cada ano ingressando na nossa Justiça do Trabalho. O
resultado é que, na maior parte do tempo, nós gastamos mais para manter a
Justiça do Trabalho funcionando do que pagando benefícios aos trabalhadores.
Cada cidadão com carteira
assinada no país paga hoje R$ 443,86 para manter essa burocracia. Em números
brutos, são R$ 17 bilhões de custos da justiça pagos pelos 38,3 milhões de
brasileiros cobertos pela CLT.
De forma contraditória,
nossa legislação estimula demissões em tempos de crise: nós somos o segundo
país do mundo onde os trabalhadores passam menos tempo no emprego, segundo o
Banco Mundial. Pense, por exemplo, que a cada ano que passa, demitir um
funcionário torna-se mais oneroso – por razões como a multa sobre o FGTS. Ao
mesmo tempo, garantimos aqui certa facilidade para a obtenção do Seguro
Desemprego. O resultado? Em média cada brasileiro passa quatro anos e meio no
emprego – contra onze anos de um alemão ou dez de um espanhol. Tudo isso,
claro, é custo para as empresas e menos produtividade. Não existe mágica.
Não é difícil perceber por
que a legislação necessita de ajustes. Ao mesmo tempo, de certa forma, é
natural que haja completa desconfiança em relação aos congressistas que farão
isso. Apesar de tudo, é necessário entender exatamente o que muda. Abaixo,
fizemos um resumo das reformas aprovadas ontem.
O que muda com as regras
aprovadas na reforma?
Realizar reformas nessa
área não é exatamente uma novidade. Um dos mais importantes direitos
trabalhistas atuais, o FGTS, nasceu exatamente para retirar um direito do trabalhador:
a estabilidade no emprego privado. Até 1964, demitir alguém com mais de 10 anos
no emprego era considerado ilegal. E essa é a primeira grande alteração
proposta pela reforma.
1) O que for acordado
pelas empresas e funcionários passa a ter maior validade do que o que está na
lei.
Nas reformas aprovadas
desta vez, as coisas são um pouco mais abrangentes. O foco principal do projeto
passa por maior força dos acordos coletivos em relação à lei. A partir de
agora, por exemplo, será possível que patrões e empregados negociem de qual
forma benefícios como férias e horários de descanso serão concedidos. As
negociações, no entanto, deverão ser feitas por meio de representantes – sejam
eles sindicatos ou figuras eleitas pelas próprias indústrias.
A prática não é nenhuma
novidade e vigora há décadas em países como Japão, por exemplo, onde cada
indústria possui seus representantes legais.
2) Você pode definir a
melhor maneira de tirar férias ou o dia na semana para aproveitar um feriado.
Por meio destes acordos
coletivos, por exemplo, seria possível que determinadas empresas adotassem
escalas de trabalho bem diferentes das usuais. Dentro de um limite semanal de
48 horas, ou 220 horas mensais, é possível que o empregado trabalhe 12 horas em
um dia e três horas em outro dia. Ou ainda, que decida tirar 14 dias de férias
em janeiro, cinco dias em junho e outros cinco em novembro.
Quer trocar um feriado de
quinta-feira para sexta e emendar o final de semana? Isso agora é possível.
Quer trocar meia hora de almoço por sair meia hora mais cedo? Antes isso era
proibido, agora não é mais.
3) Novas formas de
trabalho, como o home office passam a ser permitidas.
Formas de trabalho
modernas, como o home office, passam a ser consideradas legais com a reforma.
Imagine, por exemplo, que uma gestante esteja concluindo seu período de
afastamento da empresa, mas queira manter-se mais tempo em casa. Para a
empresa, será possível que ela faça isso – agora trabalhando à distância,
mantendo os mesmos vínculos empregatícios.
4) Demissões podem ser
feitas em comum acordo com patrões e empregados, e você ganha o direito de
sacar seu FGTS mesmo pedindo demissão.
Em outro ponto, o das
demissões, será criada agora a figura da demissão negociada. Ao contrário de
hoje, quando pedir demissão impede acesso ao FGTS, será possível sacar 80%
dele, além de uma multa de 20% sobre o saldo.
5) Trabalhadores
terceirizados passam a ter acesso aos direitos trabalhistas.
Esse é um dos pontos mais
polêmicos – nós já falamos sobre ele aqui. Nele, a reforma proposta prevê duas
garantias ao empregado.
Cria-se o período de
quarentena de 18 meses – ou seja, durante esse tempo, uma empresa não poderá
contratar um funcionário que tenha sido demitido por ela, o que impede, por
exemplo, escolas de contratarem e demitirem professores para evitar custos com
o período de recesso escolar, acusação bastante comum durante o período de
votação do projeto da terceirização.
Além desta garantia, o
terceirizado passa a ter a certeza de que, em caso de falência ou simplesmente
não pagamento de parte dos seus direitos pela empresa que lhe contratou, a
empresa contratante ficará responsável por arcar com eles.
Nada disso causou tanta
polêmica, no entanto, quanto o próximo item dessa lista.
6) Você deixa de ser
obrigado a pagar o imposto sindical.
Com mais de 15 mil
sindicatos registrados, era de se esperar que nenhum país do mundo conseguisse
superar o Brasil quando o assunto é assegurar proteção ao trabalhador, certo?
Se sindicatos, afinal, existem para defender os seus interesses e nós os temos
em maior número do que em qualquer outro lugar do planeta, a lógica
incontestável é que deveríamos ter trabalhadores mais assegurados que na
Dinamarca, por exemplo, onde apenas 164 sindicatos atuam, ou no Reino Unido,
onde somente 168 dão as caras. A correlação, no entanto, você já deve imaginar:
não existe.
Mesmo tendo 50 vezes mais
sindicatos do que a Dinamarca, ou 60 vezes mais do que o Reino Unido, menos
trabalhadores estão ligados a estes sindicatos por aqui do que por lá. E a
razão para isso é de fácil explicação: um sindicato no Brasil não precisa de
filiados para ganhar dinheiro.
Graças ao chamado imposto
sindical, que retira um dia do seu trabalho todos os anos e repassa aos
sindicatos, é possível, entre outras bizarrices, um Sindicato da indústria de
camisas para homens e roupas brancas de São Paulo, ou ainda um Sindicato de
trabalhadores em entidades sindicais. E nada disso é piada.
Por ano, são R$ 3,9
bilhões distribuídos entre 11 mil sindicatos de trabalhadores e 5 mil
sindicatos patronais.
Na reforma recém aprovada,
o imposto deixa de existir – apesar de todo o lobby realizado por deputados
como o presidente da Força Sindical, Paulinho da Força. Não é uma coincidência
que isso gere tantos protestos nesse momento.
7) Contratos temporários
menores também poderão garantir direitos trabalhistas.
Por fim, há os contratos
temporários.
Imagine, por exemplo, que
um determinado restaurante descubra que nos finais de semana possua maior
demanda. Neste mesmo restaurante, há 15 garçons para atender um público que
durante a semana se resume a 600 pessoas por dia, mas nos finais de semana
dobra para 1.200.
Na situação atual, este
mesmo restaurante teria de se contentar em ver seu atendimento piorar nos dias
de maior demanda, ou contratar alguém para trabalhar apenas um dia, aumentando
sua rotatividade e correndo o risco de atuar na ilegalidade.
Com a nova mudança, este
mesmo restaurante poderá agora contratar pessoas para trabalhar apenas nos
finais de semana.
Contratos flexíveis como
este permitem alocar no mercado jovens que tenham que estudar durante a semana
mas que necessitem contribuir com as contas de casa.
Imagine ainda que, em cada
dia do final de semana, estes mesmos jovens trabalhem 12 horas. O que muda?
Na prática, quem hoje
trabalha menos de 44 horas semanais não possui direitos trabalhistas. Agora
poderá ter.
Publicado originalmente no
spotniks.com