Impactos sobre comunidades
atingidas e violação dos direitos humanos serão discutidas em 29 de setembro,
em audiência pública, no Ministério Público Federal
“Nós agradecemos por toda
ajuda que vocês puderem nos dar, mas tem algo que gostaríamos de pedir: por
favor, não atrapalhem o recebimento das nossas indenizações”. Esse apelo de uma
moradora foi feito numa tarde de 2002, na igreja de Pedro Velho, durante a
primeira reunião das comunidades atingidas pela construção da barragem de
Acauã, conta o professor Fernando Garcia de Oliveira, da Universidade Federal
de Campina Grande (UFCG).
Fernando Oliveira é
coordenador do Projeto Universidades Cidadãs da UFCG e escreveu artigo sobre a
situação das comunidades impactadas. No texto, ele registra que treze anos
depois da conclusão da barragem de Acauã, o governo da Paraíba ainda não
concluiu o pagamento das indenizações devidas às famílias atingidas.
Em 29 de setembro de 2015,
às 13 horas, será realizada no Ministério Público Federal, em João Pessoa,
audiência pública para discutir os impactos sociais, econômicos, históricos,
culturais e jurídicos, além da violação dos direitos humanos ocorrida durante o
processo de construção da barragem de Acauã. O empreendimento causou impacto a
cidadãos dos Municípios de Aroeiras (PB), Itatuba (PB) e Natuba (PB), no
Agreste do estado.
Confira a íntegra do
artigo do professor Fernando Garcia de Oliveira:
GOVERNO DA PARAÍBA AINDA
DEVE AOS ATINGIDOS DE ACAUÃ
O meu trabalho de extensão
e pesquisa em apoio aos atingidos de Acauã teve início no primeiro sábado, após
o carnaval de 2002. Tudo começou a partir da sugestão de uma professora do
Departamento de Sociologia da UFCG, no Encontro da Nova Consciência que ocorre
em Campina Grande (PB) durante o carnaval.
Para aquela primeira
viagem, convidei um representante do Polo Sindical do Compartimento da
Borborema e um extensionista com experiência na assessoria a assentados da
reforma agrária.
A compreensão é que, em
situações do gênero, o trabalho da universidade deve se dar em parceria com
outras instâncias da sociedade. Com efeito, ao longo destes 13 anos em que a
UFCG presta apoio aos atingidos pela barragem de Acauã, sempre houve o concurso
de outras instâncias, a exemplo do trabalho conjunto que, desde 2002, se faz
com o Ministério Público Federal na Paraíba.
Ao chegarmos à comunidade,
fizemos contato com alguns moradores e propusemos que houvesse uma reunião para
discutir as questões provocadas pela construção da barragem. Assim, ocorreu na
parte da tarde a primeira reunião na igreja de Pedro Velho.
Dentre as falas dos
moradores, uma chamou mais atenção. Uma jovem moradora fez o seguinte apelo:
“Nós agradecemos por toda ajuda que vocês puderem nos dar, mas tem algo que
gostaríamos de pedir: por favor, não atrapalhem o recebimento das nossas
indenizações”.
As palavras não deixavam
margem à dúvida: segundo aquela percepção, o que era mais importante para os
moradores daquela localidade era o recebimento das indenizações. Mas, até
então, o governo da Paraíba não definira quando faria o pagamento.
Na verdade, tudo que dizia
respeito às indenizações estava obscuro. A população não sabia sequer que
levantamentos dos seus bens haviam sido feitos. Reinava a desinformação e o
silêncio sobre as questões mais essenciais.
Esse estado de coisas
fazia as pessoas tomarem decisões sem conhecimento das alternativas que tinham.
Receber uma casa em um dos conjuntos habitacionais rurais, tipo “Projeto
Mariz”, era praticamente a única opção para os mais pobres.
Em abril de 2002, padre
Rômulo (vigário de Aroeiras) escreveu um documento, lido por ele nas missas,
intitulado “As pedras clamarão”: “Hoje, a exemplo de Jesus, não posso ficar
calado diante do sofrimento de irmãos e irmãs, a grande maioria deles sendo
meus paroquianos. Tenho certeza de que é verdade o que Jesus disse: se eles se
calarem as pedras gritarão (Lucas 19,40) .... Estou consciente da importância
da Barragem Acauã, mas não podemos ficar cegos, surdos ou mudos diante dos
transtornos que a construção dessa mesma barragem já está trazendo à população
vizinha, visto que não poderão reconstruir os seus bens com uma indenização
média de R$ 6.000,00 por família”.
Parte dos moradores de
Pedro Velho não aceitava aquele dilema inventado pelo governo do Estado (“casa
ou dinheiro”) e permanecia em seus locais de origem, em busca de uma melhor
solução. Esse contexto de resistência de um significativo número de famílias
daquela localidade foi o que permitiu a chegada dos apoiadores externos e o
surgimento do movimento dos atingidos por barragens na Paraíba.
Toda a pressão exercida
pela população organizada, com inequívoco significado do apoio que conseguiu
mobilizar, foi decisiva para que o governo do Estado desse início ao pagamento
das indenizações. Ao receberem as indenizações, as pessoas tiveram clareza do
prejuízo que haviam sofrido. Isso por duas razões principais. Primeiro, porque
a demora no pagamento das indenizações fez com que os cálculos ficassem muito
defasados. Além disso, havia também o fato de que nem todos os seus bens haviam
sido incluídos nos cálculos. Deixaram de ser computadas cercas, cisternas,
instalações produtivas, árvores frutíferas, dentre outros.
As reclamações da
população organizada ensejaram que o governo reconhecesse as pendências e,
através do INTERPA, autorizasse as famílias a relacionarem os bens que não
haviam sido incluídos em um formulário fornecido pelo próprio governo. Toda a
documentação foi entregue ao presidente do INTERPA em 17 de setembro de
2002.
Naquele momento, por
precaução, a assessoria dos atingidos fez cópia de todos os documentos
entregues. Depois, nada aconteceu. O tempo passou... Jamais houve qualquer
resposta do governo do Estado.
Agora, em 2015, com o
renovado interesse do Ministério Público Federal na Paraíba, cópia daquela
documentação foi oficialmente entregue ao Procurador Regional dos Direitos do
Cidadão na expectativa que o assunto seja ressuscitado.
Fernando Garcia de Oliveira
Coordenador do Projeto
Universidades Cidadãs da UFCG