Ipanguaçu, no semiárido
nordestino, é uma dessas cidades em que os sepultamentos são anunciados com
carro de som na principal via da cidade, dando o nome da pessoa que morreu, o
apelido carinhoso com que era conhecido e o horário exato em que o corpo será
enterrado no cemitério municipal.
Na simpática cidade da
região do Vale do Assú, no Rio Grande do Norte, sob sol escaldante e
temperatura acima de 35 graus Celsius (°C), muitos agricultores vão para o
centrinho vender sua produção. É o caso de Gideão Bezerra, que vende coentro.
“Aqui é agricultura familiar. Lá na propriedade de meu pai se produz coentro,
feijão, milho e manga”.
Mesmo assim, Gideão não
esconde que os grãos, frutas e hortaliças são apenas um complemento. Neste
momento, o que está trazendo recursos para a família é o auxílio emergencial do
governo. “Muita gente daqui tirou, inclusive eu, minha mulher, minha mãe. Foi
muito bom”, afirma.
Ipanguaçu receberá hoje
(21) a visita do presidente Jair Bolsonaro. A cidade tem 15.464 habitantes,
sendo que 5.631 recebem o auxílio emergencial – ou seja, 40% da população. Só
neste pequeno município, o governo federal já injetou R$ 10,84 milhões em
auxílio, ajudando a economia local. “Ajuda muito, as pessoas precisam. Foi
abençoado”, diz a auxiliar de serviços gerais Damiana Oliveira, que trabalha no
Mercado Municipal.
Andando pela Avenida Luiz
Gonzaga, a principal da cidade, percebe-se que ninguém mais usa máscaras contra
a covid-19. Na última terça-feira (18), a prefeitura liberou os números da
doença em Ipanguaçu. Desde março, foram 280 casos, com 12 óbitos. Entre as
pessoas que se contaminaram estava a comerciante Ana Lúcia Arruda, mas seu
relato só ajuda a aumentar ainda mais o descrédito do potiguar com o vírus.
"Eu fui vítima da covid. Eles fizeram o teste e o meu deu positivo, mas
não senti nada. Meu esposo teve só uma dor de garganta. Eu fiquei isolada e meu
filho veio trabalhar no meu lugar."
Ainda assim, as 2,2 mil crianças matriculadas nas 11 escolas da rede municipal de ensino estão sem aulas há cinco meses. A alimentação, porém, é garantida com a doação de kits de frutas da agricultura familiar. "Fazemos essa entrega de kits, com mamão, banana, melão, macaxeira. Os professores mandam atividades impressas para eles e nós mandamos os kits para prestar assistência”, explicou a coordenadora administrativa da Secretaria Municipal de Educação, Odailma Siqueira.
Conhecida com a Capital
Nacional da Banana, a produção de frutas é o carro-forte de Ipanguaçu. No
entanto, muitas famílias do semiárido convivem com a falta de água para manter
suas roças e os animais. Uma notícia, porém, vem chamando a atenção dos
moradores: o projeto que fizeram de um poço profundo. "Eu vi nas redes
sociais", conta “Galego”, conhecido vendedor de frangos da Avenida Luiz
Gonzaga.
Na área rural do
município, depois de passar pelas comunidades de Capivara e Língua da Vaca, a
pequena Comunidade de Angélica, com 231 habitantes, viu um poço ser perfurado
pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), órgão do
Ministério do Desenvolvimento Regional.
Com 143 metros de
profundidade, ele atinge o lençol freático e consegue dar vazão de 30 mil a 40
mil litros de água por hora. Isso é 30 vezes mais do que a população da
localidade precisa.
“Primeiro fizemos a
limpeza do poço, depois fizemos a análise da qualidade da água, se é para uso
doméstico, para os animais ou se é potável. Fizemos cinco poços nesta cidade.
Esse foi o que teve melhor vazão”, diz o coordenador regional do Dnocs, José
Eduardo Vanderlei.
Há várias cisternas nas
comunidades rurais. De 15 em 15 dias, um carro-pipa vem enchê-las. Fora isso,
só a água da chuva, mas no semiárido as águas pluviais não são tão frequentes
assim.
“O poço que existia estava
desmantelado, aí era só carro-pipa. Agora não! Vão instalar o encanamento.
Temos que agradecer a Deus por ter chegado esse poço. É o que a gente queria
muito”, conta o agricultor Francisco de Castro, que planta feijão, melancia e
jerimum, e tem oito crianças em casa.
Sua vizinha, Joana Darc,
está confiante. Ela cria ovelhas, cabras e, “às vezes, cria galinha também”.
Sua preocupação era com os animais. “Seis meses sem água! Os bichos querendo
água e não tinha”, lembra.
Feliz porque “vai acabar o
sufoco” com o poço perfurado bem em frente à sua casa de pau-a-pique, dona
Joana também conseguiu o auxílio emergencial do governo federal. “Ajudou muito.
Resolveu muita coisa”, afirmou.
Nesta sexta-feira, o poço
vai jorrar pela primeira vez. Pergunto se posso beber um copo d´água na casa de
adobe. “Amanhã tem água, tem almoço, o que você precisar", prometeu a
esperançosa Joana.
No semiárido nordestino,
longe da correria das grandes capitais, ter direito ao auxílio emergencial e
acesso à água já são motivos suficientes para que o ano de 2020 – marcado pela
pandemia do novo coronavírus – seja um dos melhores dos últimos tempos.