Em entrevista concedida a “Revista
Veja” o arcebispo Dom Aldo di Cillo Pagotto, se diz alvo de injustiça cometida
pelo papado de Francisco e atribui a sua situação a uma disputa que tem como
pano de fundo acusações de corrupção, homossexualismo, pedofilia nos bastidores
da Igreja.
Confira a integra da
entrevista:
Na última quarta-feira, o
Vaticano anunciou que o papa Francisco aceitou a renúncia do arcebispo da
Paraíba, dom Aldo di Cillo Pagotto. Oficialmente, dom Aldo deixou o posto por
“motivos de saúde”. Mas só oficialmente. Por trás da decisão, há muito mais. Há
pelo menos quatro anos, o arcebispo era investigado pelo próprio Vaticano sob
suspeita de acobertar padres pedófilos. Dom Aldo também era acusado de promover
orgias e de ter mantido relacionamento com um jovem de 18 anos – o que ele
nega. Foi o primeiro caso, no Brasil, de um arcebispo que deixa o posto no
curso de uma investigação sobre envolvimento em escândalos sexuais.
Na mesma quarta-feira, dom
Aldo falou por quase duas horas a VEJA. O resultado da conversa é revelador dos
bastidores da Igreja – e de segredos que, na grande maioria das vezes, graças à
hierarquia e à disciplina dos religiosos, são mantidos distantes dos olhos e
ouvidos do distinto público. Na entrevista, o bispo deixa evidente que, na
verdade, foi obrigado a renunciar. Ele conta que, no início de junho, foi
chamado a Brasília para uma conversa com o núncio apostólico, o representante
do papa no Brasil. E que, naquele mesmo dia, o núncio — em nome do papa — o fez
redigir a carta de renúncia.
O arcebispo se diz alvo de
uma grande injustiça cometida pelo papado de Francisco e atribui a sua situação
a uma disputa que tem como pano de fundo acusações de corrupção,
homossexualismo, pedofilia e, quase sempre, disputa por poder.
A seguir, os principais
trechos da entrevista.
Desvio de dinheiro
Dom Aldo diz que foi
vítima de uma orquestração maquinada por um grupo de padres que se opunham a
medidas que ele adotou desde que assumiu a Arquidiocese da Paraíba. Ao falar
desses padres, cujos nomes ele se esforça para não revelar, o religioso
escancara o ambiente interno conflagrado no clero – algo que a Igreja, quase
sempre, consegue manter em segredo. Ele acusa os adversários de estarem
envolvidos em desvios de dinheiro e de serem, eles próprios, personagens de
escândalos sexuais. Na origem de tudo, diz ele, está a disputa pelo controle
das finanças.
“Tudo começou porque eu
tenho uma visão mais moderna. A questão administrativa e patrimonial da
Arquidiocese estava bastante comprometida. Então começamos a colocar as coisas
em ordem, com prestação de contas. Isso mexeu na posição de uns privilegiados.
Havia coisas não muito bem resolvidas.”
“Quando você mexe no
bolso, que é a parte mais delicada do corpo da pessoa, vêm as reações, que não
são tão diretas no começo. Aí começam com outras acusações. Diziam que eu era
financista, materialista, e que a Igreja não é só isso.”
“Essa reação partia de um
grupo pequeno, mas muito bem articulado, formado por cinco padres. Passaram a
acusar que o clero no estado estaria dividido, e outras coisas morais. Diziam
que eu era ditador. Depois foram para os ataques pessoais de ordem afetiva e
sexual. Aí foram para a baixaria mesmo, com acusações horrendas à minha pessoa
e a outros padres também.”
“Esses padres têm poder
financeiro. E a reação vinha justamente daí. Tudo parte de quando você quer
mexer nas finanças.”
Mas esses padres estavam
envolvidos com corrupção?, perguntou VEJA.
A resposta: “Havia um
colégio aqui, o Pio XII, que eu tive que fechar quando cheguei porque havia uma
coisa não resolvida ali. Era um colégio tradicional, de mais de 80 anos.
Pedimos uma auditoria e fizeram de tudo para não fazer essa auditoria. Sempre
me era aconselhado: ‘Não é bom mexer com isso’”.
Dom Aldo diz que, só nas
contas da escola, havia um rombo de 1,8 milhão de reais. E quem são esses padres?
“Eu sei quem são. Alguns
nomes eu levei para a Santa Sé. Pelo menos o nome de dois, entre eles o que
capitaneia, eu informei à Santa Sé. São padres muito bem posicionados aqui,
veteranos.”
O segredo do processo e o
silêncio do papa
Alvo de denúncias cada vez
mais constantes, e de uma série de dossiês enviados a Roma, dom Aldo Pagotto
passou a ser formalmente investigado pelo Vaticano. O rol de acusações contra
ele era extenso: além de ser acusado de proteger padres pedófilos, diziam as
denúncias, teria relaxado os critérios para a aceitação de novos seminaristas.
Além disso, era apontado como personagem central de um grupo de religiosos que
se esbaldavam em festas e promoviam orgias sexuais. Em janeiro de 2015, já em
consequência das investigações, o Vaticano impediu o arcebispo de ordenar novos
padres.
“Em junho do ano passado
fui ao Vaticano tirar a história limpo. Falei com o cardeal Stella (Beniamino
Stella, prefeito da Congregação para o Clero — uma espécie de ministro do
Vaticano). O cardeal me tratou muito bem, me escutou durante uma hora, mas
disse que a resposta viria só depois de agosto e setembro e que o desfecho
dependia também da Congregação para os Bispos. Comecei a cobrar e não vinha
nada.”
“Em maio eu pedi para
conversar com o próprio papa. Mas isso não me foi concedido. Essa resposta nem
veio. Dois ou três dias depois de redigir a carta de renúncia, fiz outra carta
ao papa reforçando esse pedido. Escrevi ao papa dizendo que gostaria muito de
falar com ele. Ali eu ainda tinha esperança (de que a investigação pudesse ter
outro desfecho). Nada.”
O chamado para renunciar
Dom Aldo revela que a
renúncia não foi um ato de vontade própria. Foi uma determinação do Vaticano –
uma determinação que a disciplina religiosa e o respeito à hierarquia da Igreja
o obrigavam a aceitar. A renúncia era uma forma de evitar mais desgastes. A
explicação oficial que viria na sequência – “motivos de saúde”— ajudaria
“Fiquei lá (na Nunciatura
Apostólica, em Brasília) uma manhã inteira. A conversa com o núncio foi de pelo
menos uma hora. A sós, no gabinete dele. Ele recordou todos os fatos. Eu pedi,
de novo, para ter acesso ao que eu era acusado, ao relatório ou ao dossiê. Ele
disse: não se pode mostrar. Então, se é assim… Ele também não disse quem
acusava. Ele aconselha. Eu também tirei minhas dúvidas. Ele disse: ‘O papa está
muito preocupado com você. É para o seu bem. Para o seu bem e para o bem da
Igreja. Então, para o bem da Igreja e para o seu bem, você pense’. Eu cheguei a
dizer: está bem, está muito certo, entendi tudo. Eu mesmo me choquei.”
“Ele me falou: Olha, você
faça essa carta. É assim mesmo. Ele é o representante do papa.”
A certa altura, o
arcebispo percebe que estava falando demais. E tenta se corrigir:
O senhor, então foi instado
a renunciar?
“Não é bem assim…. Eu me
aconselhei também. E eu aqui já dizia para alguns padres da minha insatisfação,
do meu estado de saúde. Não é que recebi uma ordem: faça. Não é bem assim. A
gente é livre. Eu disse a ele (ao núncio): é até interessante que eu faça (a
carta), e fiz.”
O senhor acha justo o
desfecho do caso?
“Não acho. Eu tenho muita
dificuldade de aceitar uma coisa dessas. É muito ruim, muito ruim.”
Tive que limpar o
seminário
Dom Aldo Pagotto admite
que havia “problemas” na Arquidiocese. Entre eles problemas, ele cita o fato de
ter aceitado, como candidatos a padre, jovens homossexuais que já haviam sido
rejeitados em outros seminários por “conduta inadequada”. Ele diz, porém, que
fez o que tinha de ser feito: “limpou” o seminário.
“Nós tivemos problemas no
seminário. Eu tive que limpar o seminário de pessoas suspeitas de comportamento
não adequado.”
Em que sentido? Sexual?
“É, exatamente.”
E o que é “limpar”?
“Limpar quer dizer
convidar a sair. Isso foi em 2012. Em um seminário sempre há entrada e saída de
pessoas. Seminário onde só entram pessoas e ninguém sai não é bom. Tem pessoas
com determinada tendência que vêm procurar seminário e você sabe que a intenção
pode ser outra. Eu não posso ser julgado por isso. Na verdade, os papas todos
tiveram problemas assim. O João Paulo teve problemas imensos. Depois veio Bento
16, que estatuiu normas muito caridosas, mas muito objetivas. E, agora,
Francisco da mesa forma. No caso daqui, houve problemas, eu não posso negar.
Mas eu fiz relatórios disso, desde o outro núncio apostólico, como estava o
seminário, que tinha havido infiltração (de gays). Eu relatei a infiltração.
Não escondi.”
A “infiltração” gay
“No seminário, o problema
era homossexualismo. Falando abertamente, é isso. Tivemos alguns casos. O
relato é de que houve infiltração, romance, defesa de comportamentos que não
são admitidos pela Igreja. Naquele momento, entre 2011 e 2012, isso envolveu
cinco ou seis pessoas. Faziam defesa desse comportamento lá dentro. Também
havia comportamentos estranhos. Colegas estranharam, pessoas da comunidade
também. Diziam: Olha, esse rapaz aqui parece que é… Havia toda uma preocupação
para evitar a reprodução desses escândalos que estamos vendo.”
Pedofilia na Arquidiocese
“Eu digo que por
misericórdia eu aceitei alguns padres em crise. Aceitei seminaristas egressos
(que já haviam sido expulsos de outros seminários), mas eu não sabia desse
comportamento. Por indicação de alguém, por pedidos para que eu desse chance.
Esses pedidos vinham de bispos, de superiores de alguma congregação. Enfim, eu
fui misericordioso. Aceitei e me dei mal. Esses seminaristas foram ordenados
por mim e depois tive que afastá-los. Eu afastei seis. Eram acusados de envolvimento
de pedofilia. Um foi inocentado.”
“Era aquela questão com
meninos, coroinhas. Dentro da igreja. Eram casos na região metropolitana de
João Pessoa e no interior. Do interior eram três, e três da capital. As
denúncias foram feitas por familiares dos meninos. Comecei a receber essas
denúncias de 2012 para 2013, tudo de uma vez, uma atrás da outra. Os padres
foram afastados imediatamente. Um deles morreu. Nunca foi ouvido em juízo e
morreu de muita depressão, coitadinho.”
A acusação de relacionamento
homossexual
“Deus me livre, isso não
existe. É mentira. Não tem como.”
E com base em que o acusam
de ser homossexual?
“Respondo com uma frase:
Acusemo-lo daquilo que nós somos.”
Isso existe entre os
religiosos que o acusam?
“Claro que existe. Acuse-o
daquilo que a gente é.”
A acusação de organizar
festas e orgias
“Mas que festas? Deus me
livre, eu não tenho tempo para pecar. A minha única diversão é nadar na piscina
de um colégio aqui perto. Não vou ao cinema. Minha vida é trabalho. Não existe
isso aí.”