A reunião a portas
fechadas do Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo com advogados de
empreiteiras investigadas pela Operação Lava Jato acendeu uma luz vermelha e
fez lembrar o saudoso Paulo Francis, quando este disse, durante a última
campanha presidencial que cobriu nos Estados Unidos, “que não importaria em
nada para os destinos daquela nação se ganhasse Bush, Clinton ou um cabo
corneteiro”.
A verdade é que os EUA
tiveram a sorte de ter tido, no momento de sua criação, um grupo de grandes
homens que ficaram conhecidos como os Pais Fundadores da Pátria, e que lançaram
a pedra fundamental daquele país, pensando suas instituições para muito além do
seu tempo.
A grande contribuição dos
Pais Fundadores, e o que efetivamente tornou-se um plus em relação a
Montesquieu e à construção do estado democrático moderno, foram os freios e
contrapesos, estabelecidos para refrear e limitar o poder daqueles grupos e/ou
instituições que detinham as rédeas políticas, que, no caso dos EUA, eram os
próprios Pais Fundadores.
Entretanto, os freios e
contrapesos, mais conhecidos como checks-and-balances, foram idealizados em
razão do conhecimento que aqueles vultos tinham sobre a própria natureza
humana, que busca sempre e a todo custo a manutenção do poder pelo poder. Mas,
além de tudo, houve desprendimento, devoção e grandeza de criar um sistema que
limitaria os poderes dos seus próprios detentores.
Por aqui, desde Rui
Barbosa e Joaquim Nabuco, nunca houve alguém com o altruísmo e visão dos Pais
Fundadores. Por isso, é tão incomum observar grandes mudanças no Brasil, onde
dificilmente uma lei será criada de forma a limitar os poderes daqueles que os
exercem.
O que Paulo Francis queria
dizer é que as instituições estadunidenses não seriam abaladas pela entrada
desse ou daquele presidente. Entre tais instituições, encontra-se o FBI –
Federal Bureau of Investigation, que é a poderosa e autônoma polícia federal
dos EUA, cujo diretor-geral permanece no posto por dez anos, podendo atravessar
o mandato de até três diferentes presidentes.
O sucesso da Operação Lava
Jato deve-se apenas à coragem e à abnegação de um grupo de agentes e delegados
federais, ao entrosamento desta equipe com aguerridos procuradores da
república, à firme e serena estratégia do magistrado do feito e a nada mais. O
governo federal não tem mérito algum nos resultados até agora obtidos.
A bem da verdade, a
Polícia Federal é, sobretudo, um órgão da persecução penal, e o Direito Penal,
ao contrário do Direito Civil, busca sempre a Verdade Real. Não há como
relativizar ou transigir com essa busca. E é na perseguição inarredável das
ocorrências sob investigação que a delação premiada consubstancia-se numa
ferramenta ímpar para o descortino da realidade dos fatos, isto é, da Verdade
Real.
Para que fique bem claro,
a Polícia Federal, quando em sua missão constitucional de polícia judiciária da
União, não se subordina em absolutamente nada ao Ministro da Justiça. O DPF tem
sua atuação investigativa balizada por inúmeras leis penais e processuais
penais, e suas atividades fiscalizadas pelo Ministério Público Federal. A
autonomia ora defendida não enseja a menor razão para temores em relação ao que
seria a criação de um organismo “descontrolado”, mas sim para comemoração pelo
fim do encabrestamento institucional de uma organização que urge ser totalmente
livre de ingerências políticas. O objeto do trabalho da polícia judiciária tem
como destino final a Justiça Federal. Ao ministro, não devem ser sequer
passados detalhes das investigações. A subordinação do DPF ao Ministério da
Justiça tem apenas o fito de inseri-la organizacionalmente dentro da estrutura
do Estado, não se traduzindo em subordinação técnica no que tange à condução
dos inquéritos policiais.
O mal-estar causado pela
reunião secreta supostamente ocorrida entre José Eduardo Cardozo e os advogados
dos nossos alvos só confirma que o Brasil precisa ultimar o inacabado trabalho
de “Construção do Estado”, e, principalmente, nesses tempos em que a corrupção
sistêmica institucionalizada aflora em níveis corrosivos, necessita fundar uma
polícia judiciária da União totalmente blindada, e que seja e aparente ser,
como organismo de Estado, acima de qualquer suspeita de ações
político-partidárias.
Para tal, é premente que
os homens e congressistas que pensam a segurança pública nesse país tenham a
grandeza de dar início às mudanças legais que culminem com a concessão de um
mandato de quatro anos ao chefe da polícia judiciária, que não poderá coincidir
com o mandato do respectivo chefe do Executivo; e sem possibilidade de
recondução. Outra medida instrumental é concessão de autonomia financeira e
orçamentária para a Polícia Judiciária. O que importa de fato é a blindagem da
Polícia Federal contra o mau hálito político.
Com tudo o que foi
desvendado pela Operação Lava Jato e com as reações e conchavos que ora se
desenham, é chegada finalmente a HORA DA POLÍCIA FEDERAL, para o bem do Brasil.
A autonomia da Polícia Federal funcionaria, então, como checks-and-balances
para o Executivo, modulando em favor da sociedade o poder que o Ministério da
Justiça exerce sobre o DPF.
O homem público que romper
com esse velho e viciado sistema e primeiro realizar esta reforma estará
entrando para a História como o pai da polícia moderna no Brasil. A partir daí,
não mais ocorrerão sistêmicos contingenciamentos de recursos na Polícia
Federal, ministros poderão se reunir à vontade com advogados, com réus e
correligionários, e as grandes operações repressivas que prendem poderosos
nunca mais serão mal interpretadas pelos políticos da oposição, da situação e
pela própria imprensa.
* Jorge Barbosa Pontes é
delegado de Polícia Federal e foi diretor da Interpol
(Publicado originalmente no
Estadão.)