Por Jorge Barbosa Pontes: A hora da Polícia Federal


Vladimir Chaves

A reunião a portas fechadas do Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo com advogados de empreiteiras investigadas pela Operação Lava Jato acendeu uma luz vermelha e fez lembrar o saudoso Paulo Francis, quando este disse, durante a última campanha presidencial que cobriu nos Estados Unidos, “que não importaria em nada para os destinos daquela nação se ganhasse Bush, Clinton ou um cabo corneteiro”.

A verdade é que os EUA tiveram a sorte de ter tido, no momento de sua criação, um grupo de grandes homens que ficaram conhecidos como os Pais Fundadores da Pátria, e que lançaram a pedra fundamental daquele país, pensando suas instituições para muito além do seu tempo.

A grande contribuição dos Pais Fundadores, e o que efetivamente tornou-se um plus em relação a Montesquieu e à construção do estado democrático moderno, foram os freios e contrapesos, estabelecidos para refrear e limitar o poder daqueles grupos e/ou instituições que detinham as rédeas políticas, que, no caso dos EUA, eram os próprios Pais Fundadores.

Entretanto, os freios e contrapesos, mais conhecidos como checks-and-balances, foram idealizados em razão do conhecimento que aqueles vultos tinham sobre a própria natureza humana, que busca sempre e a todo custo a manutenção do poder pelo poder. Mas, além de tudo, houve desprendimento, devoção e grandeza de criar um sistema que limitaria os poderes dos seus próprios detentores.

Por aqui, desde Rui Barbosa e Joaquim Nabuco, nunca houve alguém com o altruísmo e visão dos Pais Fundadores. Por isso, é tão incomum observar grandes mudanças no Brasil, onde dificilmente uma lei será criada de forma a limitar os poderes daqueles que os exercem.

O que Paulo Francis queria dizer é que as instituições estadunidenses não seriam abaladas pela entrada desse ou daquele presidente. Entre tais instituições, encontra-se o FBI – Federal Bureau of Investigation, que é a poderosa e autônoma polícia federal dos EUA, cujo diretor-geral permanece no posto por dez anos, podendo atravessar o mandato de até três diferentes presidentes.

O sucesso da Operação Lava Jato deve-se apenas à coragem e à abnegação de um grupo de agentes e delegados federais, ao entrosamento desta equipe com aguerridos procuradores da república, à firme e serena estratégia do magistrado do feito e a nada mais. O governo federal não tem mérito algum nos resultados até agora obtidos.

A bem da verdade, a Polícia Federal é, sobretudo, um órgão da persecução penal, e o Direito Penal, ao contrário do Direito Civil, busca sempre a Verdade Real. Não há como relativizar ou transigir com essa busca. E é na perseguição inarredável das ocorrências sob investigação que a delação premiada consubstancia-se numa ferramenta ímpar para o descortino da realidade dos fatos, isto é, da Verdade Real.

Para que fique bem claro, a Polícia Federal, quando em sua missão constitucional de polícia judiciária da União, não se subordina em absolutamente nada ao Ministro da Justiça. O DPF tem sua atuação investigativa balizada por inúmeras leis penais e processuais penais, e suas atividades fiscalizadas pelo Ministério Público Federal. A autonomia ora defendida não enseja a menor razão para temores em relação ao que seria a criação de um organismo “descontrolado”, mas sim para comemoração pelo fim do encabrestamento institucional de uma organização que urge ser totalmente livre de ingerências políticas. O objeto do trabalho da polícia judiciária tem como destino final a Justiça Federal. Ao ministro, não devem ser sequer passados detalhes das investigações. A subordinação do DPF ao Ministério da Justiça tem apenas o fito de inseri-la organizacionalmente dentro da estrutura do Estado, não se traduzindo em subordinação técnica no que tange à condução dos inquéritos policiais.

O mal-estar causado pela reunião secreta supostamente ocorrida entre José Eduardo Cardozo e os advogados dos nossos alvos só confirma que o Brasil precisa ultimar o inacabado trabalho de “Construção do Estado”, e, principalmente, nesses tempos em que a corrupção sistêmica institucionalizada aflora em níveis corrosivos, necessita fundar uma polícia judiciária da União totalmente blindada, e que seja e aparente ser, como organismo de Estado, acima de qualquer suspeita de ações político-partidárias.

Para tal, é premente que os homens e congressistas que pensam a segurança pública nesse país tenham a grandeza de dar início às mudanças legais que culminem com a concessão de um mandato de quatro anos ao chefe da polícia judiciária, que não poderá coincidir com o mandato do respectivo chefe do Executivo; e sem possibilidade de recondução. Outra medida instrumental é concessão de autonomia financeira e orçamentária para a Polícia Judiciária. O que importa de fato é a blindagem da Polícia Federal contra o mau hálito político.

Com tudo o que foi desvendado pela Operação Lava Jato e com as reações e conchavos que ora se desenham, é chegada finalmente a HORA DA POLÍCIA FEDERAL, para o bem do Brasil. A autonomia da Polícia Federal funcionaria, então, como checks-and-balances para o Executivo, modulando em favor da sociedade o poder que o Ministério da Justiça exerce sobre o DPF.

O homem público que romper com esse velho e viciado sistema e primeiro realizar esta reforma estará entrando para a História como o pai da polícia moderna no Brasil. A partir daí, não mais ocorrerão sistêmicos contingenciamentos de recursos na Polícia Federal, ministros poderão se reunir à vontade com advogados, com réus e correligionários, e as grandes operações repressivas que prendem poderosos nunca mais serão mal interpretadas pelos políticos da oposição, da situação e pela própria imprensa.

* Jorge Barbosa Pontes é delegado de Polícia Federal e foi diretor da Interpol


(Publicado originalmente no Estadão.)

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