PT impôs padrão FIFA de corrupção, diz Roberto Jefferson.


Vladimir Chaves

Dez anos depois de denunciar o mensalão, ex-deputado Roberto Jefferson afirma que o PT implantou o padrão FIFA de corrupção, e que o dinheiro das estatais continua a financiar campanhas no país.

Confira a integra da entrevista publicada na “Folha de São Paulo” edição de 6 de junho.

Folha - Por que o sr. decidiu denunciar o mensalão?
Roberto Jefferson - Decidi dar a entrevista porque tinha sido vítima de uma matéria que deflagrou o processo da minha cassação. Aparecia um funcionário dos Correios, Maurício Marinho, recebendo R$ 3 mil e dizendo que era para o PTB. Era uma pessoa com quem eu não tinha nenhuma relação. Virei o grande vilão nacional por R$ 3 mil. À matéria foi feita por encomenda da Casa Civil [então chefiada por José Dirceu]. Nós identificamos imediatamente de onde veio.

Folha - O governo tentou algum acordo para silenciá-lo?
Jefferson - Quando eu estava sob tiroteio, vai à minha casa o líder do governo, o [Arlindo] Chinaglia, e propõe um acordo. "Roberto, você renuncia à presidência do PTB, o governo designa um delegado ferrabrás para o processo, ele arquiva e tudo se acerta". Eu disse: "Não aceito. Eu entrei pela porta da frente e vou sair pela porta da frente. Só que eu vou carregar um bocado de caras comigo. Vocês não vão me ver de joelhos, eu vou enfrentar vocês". [Chinaglia nega o relato.]

Folha - Dez anos depois, o PT diz que não se comprovou o pagamento de mesada a deputados.
Jefferson - Havia mesada. A Lava Jato agora clareou isso. Por respeito à decisão do ministro [Luis Roberto] Barroso, eu só posso falar do passado. Mas o [Alberto] Youssef fazia pagamento mensal para vários deputados de partidos da base. Era aquilo que havia na época. As malas chegavam com R$ 30 mil, R$ 60 mil, R$ 50 mil. Não se comprovou porque não fotografaram.

Folha - Por que o sr. não aceita ser chamado de delator?
Jefferson - Isso me deixa chateado. Delator é quem está dentro. Eu não deixei o PTB entrar no mensalão, não aluguei minha bancada. Quando o juiz me propôs a delação premiada, respondi: "Excelência, delação premiada é conversa de canalha. Quem faz delação premiada é canalha".

Folha - O sr. afirmou que Lula era inocente. Mantém essa versão?
Jefferson - Eu avisei o presidente [sobre o mensalão]. A reação dele à época me deu a impressão de que ele não soubesse. Quero crer que ele não sabia.

Folha - Seu advogado disse ao STF que Lula chefiou o esquema.
Jefferson - Aí foi a liberdade do advogado. Eu dizia: "Para de bater no Lula, pelo amor de Deus. Você tá contrariando o que eu disse, tá me deixando de mentiroso". Foi quando ele renunciou [à defesa]. Ele é convencido de que o Lula tem culpa, de que não se faria uma coisa dessa envergadura sem o presidente saber. Ele é meu amigo, é um grande advogado, mas não obedece o cliente (risos).

Folha - Qual a maior consequência de sua denúncia para o país?
Jefferson - Caiu aquele véu que havia sobre o PT, de partido ético, moralista. O PT posava de corregedor moral da pátria. Ali caiu a máscara. O PT a vida inteira deblaterou contra os adversários, mas "blatterou" a prática política padrão Fifa. O PT impôs ao país o padrão Fifa da corrupção.

Folha - Dirceu era cotado para suceder Lula. Considera que mudou a história do país?
Jefferson - O Dirceu saiu da fila. Se fosse ele o presidente, nós já estaríamos vivendo aqui a Venezuela. A Dilma é o Maduro (risos). O Chávez é o Dirceu. Com ele, teria cerceamento das liberdades democráticas, perseguição à imprensa livre, cadeia para opositor. Não ia ter papel higiênico.

Folha - O que o levou a aparecer na CPI com o olho roxo?
Jefferson - Foi por causa de uma discussão com a [ex-deputada] Laura Carneiro sobre o Lupicínio Rodrigues e a música 'Nervos de aço'. Ela dizia que era de outro autor. Eu fui pegar o CD. Era uma daquelas estantes antigas, estava solta da parede. Quando fui me apoiar, o móvel veio. Parecia que eu tinha apanhado. Essa história não adianta [repetir]. Nem minha mãe acreditou. Se mamãe não acreditou, como é que as pessoas vão acreditar?

Folha - O sr. foi condenado por receber R$ 4 milhões do PT. O que fez com o dinheiro?
Jefferson - Foi gasto nas eleições municipais do PTB em 2004, em campanhas de prefeito no Rio, em Minas, São Paulo. Isso ficou no passado. O partido no poder é que tem dinheiro para fazer eleição. O pequeno não tem, ele recebe o repasse do grande.

Folha - Quem fez o acordo no PT?
Jefferson - O Dirceu, na Casa Civil. Fechamos ali naquele prédio da Varig [em Brasília]. Financiamento de R$ 20 milhões à eleição do PTB, em cinco parcelas de R$ 4 milhões. Esse acordo não foi cumprido, só foi paga a primeira parcela. Foi um desastre para o PTB.

Folha - Há quem acredite que esse é o verdadeiro motivo de sua briga com Dirceu e o PT.
Jefferson - Se mamãe não acreditou que a estante caiu em mim, não quero convencer ninguém. É minha versão. Quem não acredita, paciência.

Folha - O sr. também foi acusado de usar órgãos do governo, como o Instituto de Resseguros do Brasil, para financiar o PTB.
Jefferson - O Lídio Duarte nos procurou para ter aval para ser presidente do IRB, fez um acordo conosco. Ele colocaria cinco brokers, operadores de mercado, recebendo R$ 60 mil de cada um. Conseguiria fazer um caixa de R$ 300 mil para ajudar o partido. Coisa que ele nunca cumpriu.

Folha - Era dinheiro de caixa dois?
Jefferson - Sim.

Folha - Isso é diferente do que foi descoberto no petrolão?
Jefferson - Não é diferente. Infelizmente, as estatais são braços partidários. As empresas públicas ainda funcionam no financiamento dos partidos. O cara briga para fazer diretor da Petrobras. É para fazer obra positiva, a favor do povo? Não existe isso. As estatais são as grandes promotoras da infraestrutura do país. Elas é que são fortes. Não tem empresa privada no Brasil. E tem as paraestatais, que são as empreiteiras. Funcionam em função do governo.

Folha - O que acha da proposta de financiamento público?
Jefferson - O Brasil não tem financiamento privado. O financiamento é público de segunda linha, mas é. Quem financia campanha no Brasil são as empresas que têm grandes contratos com BNDES, Banco do Brasil, Petrobras. Eu acho uma graça isso: "Temos que acabar com o financiamento privado". Não tem financiamento privado, é estatal. Os empreiteiros não são privados, são braços das estatais. É aí que está o caixa de toda eleição.

Folha - Então não seria melhor proibir as doações?
Jefferson - Se proibir o financiamento privado, vai tirar dinheiro da saúde, do transporte e da educação para fazer campanha. É um absurdo. O político vai ser linchado na rua. E proibido o financiamento privado, você dificilmente derrotará o partido oficial.

Folha - Depois de ser cassado e preso, o sr. se arrepende por ter denunciado o mensalão?
Jefferson - Eu sabia o que ia acontecer e estava preparado. Não tenho nenhum arrependimento. Zero. Só não gostaria de fazer de novo, de sofrer isso tudo outra vez.

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