Brasil é responsável por metade das mortes de ambientalistas


Vladimir Chaves

Chico Mendes
Já se passaram mais de 25 anos da morte de Chico Mendes, o humilde seringueiro do Acre (norte brasileiro) que se converteu em símbolo internacional da defesa do médio ambiente. E Brasil, o país onde foi assassinado por tentar que os especuladores não destruíssem a Amazônia, continua sendo o local mais perigoso do mundo para os ativistas ambientais. A afirmação faz parte do relatório da ONG Global Witness, que reuniu os assassinatos de defensores do meio ambiente em todo mundo entre 2002 e 2013. Sua conclusão é devastadora: o número de mortes não deixa de crescer. Dos 908 casos que pôde documentar a organização em 35 países, 448 se produziram no Brasil (49,33%).

Em 2002 foram registrados 51 assassinatos. Em 2012, o pior da série, foram 147. Os autores do relatório reconhecem que a informação é escassa e seguramente seus dados só mostrem a ponta do iceberg. Afirmam, por exemplo, que é muito provável que países africanos como Nigéria, a República Democrática do Congo, a República Centro-Africana ou Zimbábue também estejam sendo afetados, mas sua metodologia de trabalho —baseada em documentação confiável e na verificação dos dados por parte de parceiros locais— não permitiu fazer uma análise exaustiva. Daí que as piores cifras estejam na América Latina e na Ásia, onde puderam contrastar a informação. Brasil, com 448 assassinatos, é seguido por Honduras, com 109, e Filipinas, com 67.

O relatório ressalta um dos aspectos que já destacou em 2011 a Relatora Especial da ONU sobre a situação dos defensores dos direitos humanos, Margaret Sekaggya: a impunidade. A organização só tem conhecimento de que tenham sidos julgadas e condenadas 10 pessoas por estes mais de 900 crimes. “Existem poucos sintomas mais determinantes e óbvios da crise ambiental mundial que um dramático aumento no assassinato de cidadãos que defendem os direitos sobre a terra ou o meio ambiente. No entanto, este problema que está se agravando tão rapidamente está acontecendo praticamente desapercebido e, na grande maioria dos casos, os responsáveis estão saindo livres”, assegura Oliver Courtney, porta-voz da Global Witness. Em seu relatório, a relatora da ONU reuniu casos de detenções e assassinatos de defensores dos direitos humanos que protestavam por questões relacionadas com os recursos naturais e os direitos sobre a terra. “Pertencem em sua maioria a populações indígenas e minorias”, assinalou. E são “mais vulneráveis pois as áreas onde trabalham são remotas”.

Para Barbara Ruis, assessora legal do programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, foi “impactante” conhecer as cifras do relatório. O problema, no entanto, não a surpreende: “Nos últimos anos estamos vendo como emergem cada vez mais conflitos ambientais em todo mundo”, explica por telefone de Genebra. As cifras são de assassinatos, mas há muitas outras lutas, e outras agressões a ativistas que brigam por viver em um meio são, que não chegam a ser conhecidas, acrescenta. “É importante que se saiba que há muita gente lutando por seus direitos ambientais”.

Não é só a falta de informação, ou a impossibilidade de contrastar os dados, o que faz com que os autores do relatório achem que eles estejam subestimados. Os assassinatos são a situação mais extrema; antes, ou além disso, podem ter existido ameaças, intimidação, violência ou criminalização. A relatora da ONU ressaltou uma circunstância recente: “Acusaram [...] os habitantes de aldeias que se manifestam contrários a megaprojetos que ameaçam o meio ambiente e seus meios de vida”, destacou, entre outros exemplos de criminalização de movimentos sociais como acusar em tribunais antiterroristas agricultores “por se manifestarem contra as forças de segurança do Estado que tentavam expulsá-los de suas terras”.

Courtney assegura que sua intenção com a publicação do trabalho é chamar a atenção da comunidade internacional e dos Governos para um problema que não deixa de crescer. Não é a primeira advertência. Anistia Internacional (AI) alertou no último verão que a recente morte do biólogo espanhol Gonzalo Alonso Hernández era mais um exemplo de contínuos ataques que sofrem os ativistas no Brasil a mãos das forças de segurança, paramilitares e grupos criminosos. Esta organização denunciou na época que ao menos 20 pessoas haviam sido assassinadas no país entre 2011 e 2012 por defender o meio ambiente. Segundo a contagem de Global Witness, foram 64.


Mais de 80% dos assassinatos compilados pelo relatório ocorreram na América Latina. Estes casos se multiplicam, assegura o relatório, à medida que aumenta a concorrência pelos recursos naturais. O desmatamento da Amazônia é um bom exemplo disso. Após quatro anos seguidos de queda na superfície de mata perdida, em 2013 o desflorestamento voltou a aumentar 28%. Os ecologistas o atribuíram ao afrouxamento das leis que protegem a selva. Segundo o relatório, as regiões mais afetadas são também as que mais registraram violência contra os ativistas que tentar impedir a destruição da mata.

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