Os cavalos de Tróia do Marco Civil da Internet


Vladimir Chaves

Alguns gerentes de nações com base econômica semicolonial gostam de fazer fumaça a seu próprio servilismo ante o imperialismo com patriotadas, socos no ar, discursos inflamados de defesa da soberania apenas para o monopólio da imprensa ver e coisas que tais, enquanto nos bastidores vive a rotina, o dia-a-dia dos vende-pátria, colocando países inteiros no prego, para regozijo dos monopólios internacionais, fazendo reverência aos chefes das potências e reprimindo com suas polícias-políticas as manifestações de insatisfação dos povos vilipendiados e sob condições de vida em franca degradação.

Está certo que o estilo da gerente Dilma não é exatamente o mesmo do já morto Hugo Chávez, ou do seu sucessor no gerenciamento da Venezuela, o Maduro, com suas comparações do USA ao próprio demônio, ou cacarejos parecidos, fazendo suas patuscadas repercutirem internacionalmente e assim passando mais cola no selo que aos oportunistas da sua estirpe tanto interessa manter colado à lapela, que é o de “resistência ao imperialismo”. Mas o que o gerenciamento petista da semicolônia Brasil ora tenta fazer com o assim chamado “Marco Civil da Internet” em nada fica devendo às mais grotescas artimanhas dos expoentes da “esquerda” eleitoreira latino-americana para fazer parecer que batem no peito perante o USA, quando na prática jamais contrariam de fato os interesses ianques e na verdade se arvoram defensores de uma “soberania” que, graças às classes dominantes semicoloniais, aos seus antecessores de gerenciamento e a eles próprios, seus países já não têm.

Senão, vejamos: o PT e sua camarilha de sempre estão tentando vender o peixe do Marco Civil da Internet, que começou a ser elaborado pelo “governo” em 2009. Foi apresentado ao Congresso em 2011 e está prestes a ser votado na Câmara dos Deputados, como se fosse a redenção dos usuários brasileiros da rede mundial de computadores, como se fôssemos ficar livres da espionagem dos monopólios, da abelhudice das agências de sabotagem do imperialismo e de bisbilhotagens ao “governo” brasileiro, o que na prática, como este jornal já referiu, em se tratando de Obama espionando o PT, nada mais é do que o chefe de olho no subordinado.

Isto porque a gerente Rousseff, após a divulgação pelo monopólio da imprensa de que ela mesmo havia sido alvo de espionagem por parte da NSA, a Agência Nacional de Segurança do USA, não apenas fez andar a tramitação no Congresso do Marco Civil da Internet como também requisitou a inclusão no projeto da possibilidade de obrigatoriedade do armazenamento no Brasil de dados das atividades de brasileiros na rede por empresas de Tecnologia da Informação, o que afinal foi levado a cabo pelo relator do projeto, o deputado petista Alessandro Molon, em substitutivo apresentado em novembro do ano passado.

Tudo como se esta obrigação de hospedagem de informações em data centers locais fosse algo que viesse a impedir que as empresas que os controlam, a maioria transnacionais, continuassem colaborando com a NSA, ou vulneráveis a ela. Além disso – e disso o PT e sua corriola sabem muito bem – a interpretação predominante sobre a jurisdição nesta área é a de que vale mais a nacionalidade da companhia que armazena os dados do que o chão sobre o qual estão os servidores onde eles estão armazenados.

E mais: no projeto apresentado pelo gerenciamento do PT ao Congresso consta a exigência de que os provedores de acesso guardem os registros de conexão dos internautas brasileiros por um ano. Aos próprios brasileiros tais registros só poderão ser liberados por ordem judicial, já à NSA... bom, a NSA, como se vê, não costuma pedir ordens judiciais.
O texto do projeto do Marco Civil da Internet prevê dez diretrizes para o uso e a “governança” na internet no Brasil, todas recheadas com belas palavras do léxico liberal, do abecedário do “Estado de Direito” e da “democracia” vigente, a do tipo de fachada: “Liberdade de expressão; pluralidade; diversidade; abertura; colaboração; exercício da cidadania; proteção à privacidade e dados pessoais; livre iniciativa; concorrência e defesa do consumidor”.

PT ‘FLEXIBILIZA’ NEUTRALIDADE DA REDE

Na prática, entretanto, os cavalos de Tróia embutidos no tal marco civil na verdade dão margem a engendros que mais atentem à veia fascista deste gerenciamento e de outros vindouros, visando o campo da internet, justamente no exato instante em que as imensas possibilidades desta forma de comunicação começam a ser massivamente aproveitadas pelo povo, sobretudo pela juventude rebelde, para convocar as massas para as ruas e agitar ainda mais a rebelião popular, como foi, por exemplo, nas jornadas de junho de 2013 e nas manifestações subsequentes.

Como o armazenamento de dados de atividades na internet aqui no Brasil seria útil à repressão dos protestos populares, ainda mais se combinado a artimanhas como a famigerada “lei antiterrorismo” de Dilma, tendo em vista que o aparato repressivo do velho Estado já andou fuçando mensagens trocadas na rede e perfis em redes sociais para intimidar pessoas e organizações que defendem a combatividade dos protestos nas ruas.

Outra nuance do projeto neste mesmo sentido é a possibilidade aberta pelo texto do Molon para a venda de pacotes pelos provedores para diferentes tipos de uso da internet, além dos tipos de pacotes que já são vendidos atualmente, ou seja, os de diferentes velocidades de conexão.

Em artigo publicado em novembro do ano passado no Jornal Folha de S.Paulo, o próprio Molon pintava o cenário da internet brasileira para os anos vindouros – o cenário do fracionamento do acesso a conteúdos em blocos pagos separadamente – caso o marco civil não preservasse “integralmente” o princípio da neutralidade da rede,

“Imagine entrar na internet e ter que se restringir apenas à leitura e ao envio de e-mails. Afinal, é o que o seu contrato e seu bolso permitem. Quando você clica para ver um vídeo, seja de entretenimento ou de ensino, uma mensagem alerta que ele não pode ser exibido. Redes sociais e jogos on-line são exclusividades do pacote superior.”

E mais:

“Fazer ligações gratuitas pela web, então, nem pensar, pois a internet completa é luxo para os poucos privilegiados que podem pagar, especialmente considerando que este serviço, de Voz sobre IP (VoIP), é concorrente das empresas telefônicas, as mesmas que detêm os cabos usados para a conexão à internet.”

Naquele artigo, Molon dizia ainda que “Numa rede neutra, a transmissão das informações deve ser isonômica: sem discriminação por origem, destino ou conteúdo dos pacotes de dados”, e garantia que a neutralidade da internet era o coração do projeto.

Era. A mesma Folha de S. Paulo publicou no último 19 de fevereiro uma matéria informando que, naquele mesmo dia, os ministros José Eduardo Cardozo, da Justiça, e Ideli Salvatti, das Relações Institucionais, haviam prometido a representantes do oligopólio das telecomunicações que opera no Brasil “flexibilizar” o texto do Marco Civil da Internet justamente lá, no seu “coração”: a neutralidade da rede.

“O governo não faria grandes alterações, mas trocaria três ou quatro palavras, deixando o texto confuso e abrindo brechas para que as teles vendam esses pacotes [os de conteúdo fracionado, anteriormente descartados por Molon em nome das diretrizes demagógicas do marco civil], tal qual desejam desde 2011, quando começou a tramitação do projeto no Congresso.”

É bom lembrar que, além de atender às requisições das companhias de telecomunicações, o gerenciamento do PT “cede”, por assim dizer, às suas próprias demandas – e a das classes dominantes em geral – de controle das massas agitadas. Afinal, a venda fracionada de pacotes de conteúdo da internet pode limitar muito o acesso da população, sobretudo a mais pobre, às informações que circulam na rede.

Como tudo o que vem do velho Estado brasileiro semicolonial, a prática que virá com o Marco Civil da Internet tal e qual deve ser aprovado no Congresso será a própria contradição das maravilhas que seus arquitetos tanto prometeram, com cada vez menos pessoas caindo no conto do vigário desse “sistema democrático” que só faz produzir leis e engendros anti povo.


Hugo R C Souza

Publicado na Revista A Nova Democracia. 

0 comentários:

Postar um comentário