Os 10 motivos que levam Alckmin a reprimir os estudantes (e pelos quais eles devem permanecer lutando)


Vladimir Chaves

No dia 15 de outubro, dia dos professores e professoras, estudantes da USP se convidaram a um encontro com o governador Geraldo Alckmin. Muito provavelmente o tucano não os receberia. O diálogo não lhe convém muito.

Era uma manifestação que se mostrava vitoriosa, mas no meio do caminho tinha uma tropa. Foi na Marginal Pinheiros que a polícia decidiu acabar com o ato, muito longe do Palácio, mas muito afinada com as ideias palacianas de Alckmin e Rodas. Foram dezenas de bombas, presos e feridos. De maneira geral, as pessoas foram presas e reprimidas de maneira aleatória, sem nenhuma vestígio de terem feito algo a mais do que se manifestar pelas ruas da cidade.

Mas, afinal, qual o motivo para a truculência desenfreada? Durante as jornadas de junho os governantes não aprenderam que os choques repressivos apenas inflam as manifestações? Ainda mais se elas, como é o caso dos grevistas uspianos, representam lutas justas, concretas e de aceitação popular, como Diretas Já, paridade nos conselhos, e um processo de estatuinte democrática.

Abaixo, alguns argumentos que podem indicar uma hipótese:

1. O movimento da USP vem construindo-se de maneira extremamente sólida. Desta vez, foi um longo processo de construção de uma campanha por democracia na universidade. Essa campanha foi capaz de envolver os mais amplos setores da universidade pois, ao invés de fazer uma luta somente demarcatória, obstinou-se a buscar vitórias. Entre várias iniciativas, um amplo plebiscito construído pelos três setores que reafirmou, agora em número, a vontade da comunidade em exercer o direito de decidir os rumos desta universidade pública.

2. Para engrossar o caldo do que significa democratizar a universidade – e claro, engrossando também o ódio da burocracia acadêmica e governamental – construímos uma campanha pela aprovação do Projeto de Lei que institui cotas raciais. O abaixo-assinado colheu milhares de assinaturas.

Para a minoria branca que controla a universidade não existe coisa mais odiosa do que ver uma das universidades mais racistas do Brasil ter seu espaço ocupado por pessoas que defendam a entrada de pretas e pretos como estudantes. Sabem que isso altera não só a composição social da universidade como mexe na estrutura de exploração das força de trabalho fora dela. 

3. Diferente do que imaginaram alguns, o chamado “Dia D” na USP (nome dado à manifestação do dia 01/10) não era mais um dia de protesto. Enquanto o seleto grupo de membros do Conselho Universitário se reunia para aprovar o calendário eleitoral e algumas medidas cosméticas no processo de escolha para a reitoria, os estudantes protocolaram sua proposta de anulação daquela eleição e ocuparam a reitoria. Rodas foi incapaz de ver que o movimento também lhe apresenta surpresas e mais: esta ocupação ocorria de maneira muito consolidada, unitária e bem representada pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) da universidade.

4. A ocupação, com o passar dos dias, não perdeu o vigor. E muito menos se tornou a pauta de reivindicação em si. Ela foi fundamental para servir de apoio à greve que se iniciava. Muitos dizem que esta é a mais forte greve pelo menos dos últimos dez anos na universidade. Mais de 30 cursos inteiros aprovaram-na em suas assembleias, além de estudantes que se incorporaram individualmente. Portanto, a greve também segue uma crescente, com indicativo de greve de professores e funcionários.
Vale destacar que a greve na USP Leste levantou um problemaço à reitoria. Afinal, para resolver o problema da contaminação comprovada do solo no campus seria preciso reconhecer que aquela obra é absurdamente irresponsável.

5. As jornadas de junho colocaram em outro patamar os protestos de ruas no país, aumentando a sua adesão e aceitação pela população. Tanto as pautas democráticas – ainda mais se somadas à luta por uma educação melhor – como os métodos dos movimentos sociais são mais bem aceitos pela população em geral.

A mídia burguesa, apesar da tentativa incessante, não conseguiu carimbar os grevistas da USP de “vândalos”, “setores isolados” ou “rebeldes sem causa”. Isso porque desta vez temos um movimento propositivo e com propostas concretas. Além de ser chocante que o estatuto da universidade mantenha-se balizado nos mais retrógrados ares da ditadura militar. Esse tipo de ideologia não tem sido bem aceita pelos consumidores de informação. E, claro, os ventos da greve de professores do RJ, que mantém imenso apoio popular, também batem por aqui. 

6. A reitoria sofreu imensas e históricas derrotas na Justiça. No primeiro pedido de reintegração de posse, o juiz deu um banho de civilidade na Reitoria e negou. Na audiência de conciliação, a Reitoria negou qualquer negociação, o que levou o juiz a negar definitivamente a reintegração, argumentando que a ocupação se trata de um problema político. A Reitoria recorreu. E ontem (15), exatamente no dia da manifestação, o desembargador também negou a entrada da polícia, sugerindo um prazo de 60 dias para uma solução negociada. Este é um dos principais motivos da ira policial na manifestação. Não lhes permitiram reprimir dentro da universidade, restou a repressão na rua.

7. Para o governo Alckmin, o prolongamento do impasse é o pior dos cenários. Imaginar que a USP siga paralisada por mais dois meses - incluindo o período de realização da Fuvest e o processo fraudulento de eleição para a próxima reitoria - é um pesadelo do ponto de vista político. Afinal, ele não só tem responsabilidade sobre a Polícia Militar como é o interventor oficial do pleito. Se não é possível derrotar o movimento pela cooptação ou pelo esvaziamento, sobram apenas as táticas de divisão e repressão aos grevistas.

8. O governador tucano tem recebido uma campanha de solidariedade da mídia burguesa. Agora, o conhecido algoz dos movimentos sociais tenta se tornar vítima do crime organizado. Informações antigas publicadas recentemente na imprensa colocam Alckmin como um ameaçado do PCC. Mais do que isso, aposta-se na tese de que o crime organizado esteja se infiltrando nas manifestações políticas. Afinal, em sua lógica, é preciso encontrar alguma forma de criminalização dos movimentos sociais. Não existe ingrediente mais perfeito do que dizer que o crime organizado atua nos protestos.

Enquanto isso, as notícias de que uma cadeia de policiais militares pertencem ao crime organizado ficam em notas de rodapé. É sob uma grande pressão da sociedade pela desmilitarização da polícia que o tucano precisa disputar a sociedade, tentando dar alguma razão para a existência de uma tropa militarizada. E, na USP, os grevistas tentam reverter o convênio que permite a atuação da PM nos campi – aprovada em um momento desfavorável com o discurso do medo sob a classe média. Ontem mesmo, um tenente do 16º BPM foi preso por envolvimento com o PCC. Este é o batalhão designado para fazer as rondas na USP.

9. Existe outra campanha, no mesmo sentido pró-criminalização das manifestações, que tem como alvo central os jovens que utilizam a tática Black Bloc. O Estado tem justificado sua repressão por conta destes ativistas. Com ou sem Black Bloc, o Estado sempre reprimiu as manifestações e as populações pobres cotidianamente. Tentam impregnar no senso comum que estes setores devem ser criminalizados. E, com sua truculência, jogam uma camada de jovens ativistas cada vez mais para a clandestinidade. No discurso, a separação é entre o movimento aceitável ou não e na prática a repressão a todos. 

No interior do movimento, muito se debate sobre a eficácia das táticas Black Bloc para a massificação, ampliação do movimento e aumento das possibilidades de vitórias. Em nossa opinião, diante da força do aparato estatal e da mídia burguesa, existem métodos de ação mais promissores, como a massificação dos atos e greves fortes construídas de maneira democrática, considerando que o confronto com a PM não é uma vitória em si e que ações diretas devem ser medidas a partir da correlação de forças dentro da sociedade e não como um a priori em manifestações. Mas este é um debate que cabe ao conjunto de ativistas, que, com o passar do tempo, terão capacidade de construir espaços de auto-organização para este tipo de debate.

Hoje, o que se sabe é que estes setores tem intenção de se colocar ao lado de lutas sociais importantes, como a da USP e dos professores do RJ. E em confronto com o Estado. 

O melhor caminho é seguir debatendo, construindo articulações, respeito mútuo, para que não se perca de vista que o inimigo central é o Estado. Para que, mesmo com intenções parecidas, os diversos setores não facilitem, a partir de suas diferenças ou ações isoladas, o enfraquecimento do movimento. E que, com todas as diferenças que possamos ter, não aceitaremos que o Estado siga reprimindo e criminalizando os movimentos. Dessa forma, colocamos que nossa defesa é a auto-organização da população para travar suas ações e táticas para o movimento, através de espaços democraticamente criados, não concordando com qualquer individuo/organização política que de maneira isolada vá contra as decisões tiradas coletivamente.

10. A vitória é possível. Todo o cenário aponta que, diante de um movimento forte, consistente e unitário, diante de um possível desgaste prolongado da Reitoria e do Governo, diante de uma repressão incapaz de derrotar o movimento, diante da ausência de respaldo da Justiça para esmagar o movimento legalmente, não resta muita opção que o caminho da negociação.
Resta ao Reitor Rodas recuar, pois está mais do que evidente que uma nova geração de ativistas que floresce nesta primavera não recuará dos sonhos de construir uma nova sociedade.

Luísa D'Ávola é diretora do DCE da USP e estudante de Letras

0 comentários:

Postar um comentário