Trabalho escravo e infantil: ONG pede que EUA suspenda importação de café brasileiro


Vladimir Chaves

Uma denúncia registrada na quinta (25) na Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP, na sigla em inglês) pede a suspensão das importações de café brasileiro feitas por gigantes como Starbucks, Nestlé, Jacobs Douwe Egberts (JDE), Dunkin’, Illy e McDonald’s. O motivo? Evidências de que o produto estaria “contaminado” por trabalho escravo, segundo a ONG Coffee Watch, que apresentou o caso às autoridades americanas.

O documento cita quatro flagrantes de trabalho escravo registrados entre 2023 e 2024 em fazendas de Minas Gerais que, de acordo com a organização, fazem parte da cadeia de fornecimento dessas seis multinacionais.

Um desses casos ocorreu nos sítios Córrego do Jacu e Paquera, em Juruaia (MG), em junho de 2024. No total, seis trabalhadores foram resgatados, entre eles um adolescente de 16 anos. À época do flagrante, a Repórter Brasil mostrou que o produtor flagrado era cooperado da Cooxupé, a principal cooperativa de café do Brasil. Ele agora integra a mais recente atualização da Lista Suja do trabalho escravo.

Além da reportagem que apontou a conexão da Cooxupé com produtores que ingressaram na Lista Suja, a denúncia também cita o relatório “Por trás do café da Starbucks”. A investigação revelou casos de trabalho escravo e infantil em fazendas que ostentavam o selo C.A.F.E. Practices, o programa de aquisição ética de café da multinacional Starbucks.

O Brasil é o maior produtor e exportador mundial de café. O mercado americano é o principal destino do grão brasileiro: em 2024, os EUA responderam por 16% das exportações, segundo o Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil).

A denúncia à CBP aponta um padrão de violações de direitos na colheita de café no Brasil. Desde 2018, o setor figura entre os três com mais casos de escravidão contemporânea no país, segundo dados do Perfil Resgatado, da Repórter Brasil, compilados a partir de informações do Ministério do Trabalho e Emprego. Em 2024, 226 trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão no setor.

“Não estamos falando de casos isolados. Estamos falando de um padrão disseminado e sistemático que atravessa décadas – e que continua até hoje”, analisa Etelle Higonnet, fundadora da ONG Coffee Watch, em entrevista para à repórter Daniela Penha.

O episódio #5 do podcast RB Investiga mostrou que a cadeia produtiva do café é pouco transparente e rastreável. De uma fazenda, o grão colhido é misturado com o café de milhares de outros produtores. Na maioria das vezes, nem as próprias compradoras sabem dizer, ao certo, de qual propriedade vem o café que elas estão usando. Sem rastreabilidade, é difícil garantir que o produto colhido sob condições análogas à escravidão não chegou a sua xícara.

Além da ação na CBP, outra frente judicial foi aberta contra a multinacional Starbucks nos EUA. A ONG International Rights Advocates (IRAdvocates) entrou com uma ação contra a companhia exigindo uma indenização de mais de R$ 1,1 bilhão para oito trabalhadores de café brasileiros. A ONG alega que os trabalhadores foram traficados e submetidos a trabalhos forçados em propriedades fornecedoras da empresa entre 2023 e 2024.

Descontos ilegais nos salários, alojamentos sujos, sem ventilação ou luz elétrica, comida fria, falta de água potável e equipamentos de segurança são cenas comuns em fiscalizações trabalhistas em fazendas de café e de outros setores da economia, especialmente no campo brasileiro.

O artigo 149 do Código Penal brasileiro define quatro condições para caracterizar o trabalho escravo contemporâneo: jornadas exaustivas, condições degradantes, servidão por dívida e trabalho forçado. Mesmo assim, o conceito é frequentemente atacado por representantes do agronegócio e por parte do Judiciário, que alegam “exagero” nas fiscalizações.

Como me explicou o auditor fiscal do Trabalho Marcelo Campos: “Não é preciso encontrar alguém amarrado a um tronco. Essa é uma visão estereotipada da escravidão moderna”.s e ajudando no seu desenvolvimento.

 

Por Poliana Dallabrida

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