Entre 2010 e 2020, pelo
menos 103.149 crianças e adolescentes com idades de até 19 anos morreram no
Brasil, vítimas de agressão, segundo levantamento divulgado pela Sociedade
Brasileira de Pediatria (SBP). Acrescentou que, do total, cerca de 2 mil
vítimas tinham menos de 4 anos.
As agressões estão
agrupadas no Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde,
de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID-10) no Capítulo XX
de Causas externas de morbidade e mortalidade e representam uma das causas mais
comuns de ocorrência no Brasil. Junto aos acidentes, são a maior causa de morte
a partir de um ano de idade até aos 19 anos.
De acordo com a presidente
da SBP, estudos científicos e a prática dos profissionais que lidam com a
infância e a adolescência indicam que o tratamento humilhante, os castigos
físicos e qualquer conduta que ameace ou ridicularize a criança ou o
adolescente, quando não letais, podem ser extremamente danosos à sua formação
de personalidade e como indivíduos para a sociedade, bem como interferem
negativamente na construção da sua potencialidade de lutar pela vida e no seu equilíbrio
psicossocial. “Nascer e crescer em um ambiente sem violência é imprescindível
para que uma criança tenha a garantia de uma vida saudável, tanto física quanto
emocional”, destacou.
PANDEMIA – Embora os dados
de mortalidade de 2020 ainda sejam preliminares, os especialistas acreditam que
o isolamento social tenha exposto a população pediátrica a uma maior incidência
de violência doméstica e, consequentemente, aumentado o número de casos letais.
As medidas de
distanciamento social, incluindo o fechamento de escolas, foram adotadas por
mais de 170 países e afetaram quase 80% de toda população estudantil mundial,
fazendo com que a maior parte das crianças permanecesse praticamente todo o
tempo em suas casas. Sabe-se, por exemplo, que só no mês de março de 2020, o
Brasil apresentou aumento de 17% no número de ligações notificando a violência
contra a mulher.
“De maneira similar,
trabalhos nacionais e internacionais destacam que, diante de um cenário de
risco e vulnerabilidade social, o isolamento domiciliar expõe crianças e
adolescentes a maiores conflitos e tensões e à piora da violência
intrafamiliar, sem que tenham condições de denunciar esta violência ou ser ela
percebida pelos outros meios que estaria frequentando, como a escola”, explicou
Marco Gama, presidente do Departamento Científico de Segurança da SBP.
Segundo ele, o estresse
característico desse período, causou impacto em todos os cenários e tem
aumentado à chance de violência e os resultados negativos para a saúde física e
mental das crianças. No entanto, avalia, independentemente da pandemia, os
casos de violência contra os mais frágeis, no caso criança e adolescente sempre
existiram, sendo a maioria de natureza doméstica ou intrafamiliar.
“As situações de violência
doméstica que levam à morte crianças e adolescentes costumam ser casos
crônicos, repetitivos, de violência progressiva, onde a vítima não recebeu a
assistência e as medidas de proteção que deveriam ter sido tomadas para
mantê-la viva, tanto dos outros familiares, como da sociedade e do Estado”,
alertou.
Para a dra. Luci Yara
Pfeiffer, também do DC de Segurança, é preciso que o mito de que criança e
adolescente são propriedades de seus pais ou responsáveis, que podem fazer com
eles o que quiserem, precisa ser abolido da sociedade. “As crianças e
adolescentes precisam deixar de ser invisíveis, bem como seus sofrimentos.
Todos que testemunham violências contra eles, ou que tenham suspeita de que
estejam sendo agredidos, seja física, seja psíquica ou sexualmente precisam
notificar, tentar orientar, acompanhar e proteger. As crianças e adolescentes
dependem de todos nós para crescerem em uma vida digna e saudável”, enfatiza.