A volta das medidas
restritivas nos estados e municípios pode agravar ainda mais o quadro de
infecção por Covid-19, gerar novas mortes e até impulsionar a nova cepa do
vírus chinês. De acordo com um estudo publicado por pesquisadores brasileiros,
o caos sanitário vivido no Amazonas foi causado quando os gestores da região
resolveram apertar o confinamento como tática para conter o vírus.
Usando o Índice de
Isolamento Social (SII) e os dados do Ministério da Saúde, o texto produzido
pelos pesquisadores Bruno Campelo, Ricardo Zimerman, Rute Alves e Flávio
Cadegiani apontou que quando o isolamento aumentou no Amazonas, a presença do
Covid-19 também aumentou.
“Quando SII (Índice de
Isolamento Social) estava acima de 40%, correlações positivas aparentemente
exponenciais entre SII e prevalência de ambas as linhagens P.1 (cepa original)
e variantes E484K (cepa variante) foram observadas. Conclusão: Os resultados
deste estudo indicam que SII acima de 40% está associado ao surgimento das
variantes SARS-CoV-2 E484K e linhagem P.1 no Estado da Amazônia, o que não foi
observado no Brasil em geral.”
O atual caos sanitário
vivido pelo estado, desde o início de fevereiro, lotou hospitais com cidadãos
infectados por Covid-19. Coincidentemente, desde o início de janeiro, o Índice
de Isolamento Social registrado na região marcou 62%, sendo um dos estados com
maior grau.
No último dia 26 de
dezembro, o governador Wilson Lima (PSL) emitiu um decreto que instaurou um
novo lockdown no Amazonas, onde só os serviços essenciais poderiam funcionar.
Usando a lotação no número de leitos de UTI como argumento e as festas de fim
de ano, a gestão local condenou ainda mais a população.
“Realizamos uma análise
tentando correlacionar 773 amostras genômicas do Brasil, 77 das quais do Estado
do Amazonas, com o SII. O Amazonas está entre os estados com os maiores níveis
de SII no Brasil, consistentemente acima da média do país, e experimentou um
rápido aumento no SII de outubro de 2020 a janeiro de 2021.”, apontou o estudo.
Ao BSM, o professor Bruno
Campelo explicou que a nova cepa encontrada no Amazonas não será impedida pelo
confinamento feito na região.
“Basicamente, o isolamento
social criou a nova cepa, sendo por isso que ela surgiu em Manaus (campeã
nacional de isolamento) e depois de outubro ― quando o isolamento voltou a
crescer. Contudo, com essa nova cepa sendo mais infecciosa, ela não precisa
mais do isolamento social, tornando-se independente dele.”
Indagado se as medidas de
confinamento estariam ligadas aos óbitos por Covid-19, Campelo confirma a
correlação.
“É para onde apontam as
evidências, é a melhor explicação. Pelo menos até que se produza uma que se
ajuste melhor às evidências.”
Na pesquisa, ele e demais
pesquisadores concluíram que o isolamento feito pelo lockdown aumentou a carga
viral do Covid-19 - fato que forçou a mutação do vírus.
“As correlações
consistentes entre SII (Índice de Isolamento Social) e velocidade de emergência
de novas variantes do SARS-CoV-2 reforçam a hipótese de que a coabitação
prolongada forçada (confinamento) pode aumentar a capacidade viral de gerar
mutação, que pode eventualmente levar à evasão imunológica e aumento da
infectividade. Enquanto a ocorrência das variantes P.1 e E484K foram ambas
positivamente correlacionadas com o SII no Estado do Amazonas, no Brasil foram
detectadas correlações neutras e negativas, respectivamente.”, explica o texto.
Os pesquisadores também
apontam, com base nos dados coletados, a possibilidade de que novas cepas
surjam devido ao confinamento e que lockdown não salva vidas, ao contrário do
que dizem vários prefeitos e governadores.
“Embora as razões exatas
que justifiquem os distintos comportamentos (da cepa original e da variante)
ainda não tenham sido totalmente esclarecidas, o principal significado é que os
pedidos de permanência em casa podem não necessariamente levar à redução do
número de novos casos, principalmente no longo prazo, uma vez que o alto SII
pode induzir o surgimento de novas variantes do SARSCoV-2, entre as quais
algumas podem apresentar maior transmissibilidade e patogênese.”
Cautela
Apesar das evidências
encontradas, os pesquisadores pedem cautela no uso do estudo para eventuais
políticas públicas contra o Covid-19. Eles afirmam que os dados são
preliminares, mas indicam que governadores e prefeitos precisam ter cautela ao
adotarem as medidas de confinamento como solução.
“Uma vez que os presentes
resultados devem ser considerados como dados preliminares e requerem
confirmação adicional, esses resultados não devem ser usados para impulsionar
novas políticas contra o isolamento e o distanciamento social. No entanto,
sugerimos que a implementação do isolamento e distanciamento social as
políticas devem começar a considerar os efeitos particulares de SII em regiões
específicas de uma maneira mais abrangente, não apenas em termos de novos casos
e mortes por Covid-19, mas também considerando as consequências do potencial
aumento da velocidade de emergência de novas variações de SARS-CoV-2”, alerta o
texto.
Os pesquisadores também
reconhecem que há mais fatores que podem influenciar o surgimento de novas
variantes, além do isolamento social.
“Os genomas SARS-CoV-2
analisados no presente estudo não foram escolhidos aleatoriamente ou resultaram
de estratificações controladas, não refletem o número de casos de cada período
analisado e não são representativos da população analisada. A presente
comunicação não tem o poder de estabelecer causalidade. De fato, outros fatores
além do SII podem influenciar o surgimento de novas variantes do SARS-CoV-2, em
particular para as mutações E484K17. No entanto, esta é, no melhor de nosso
conhecimento, a primeira tentativa de correlacionar SII e o surgimento de
variantes E484K, incluindo a nova linhagem P.1.”
Metodologia
O estudo analisou a
população do Brasil infectada por Covid-19 entre 1º de junho de 2020 e 31 de
janeiro de 2021 e usou o sequenciamento genético da plataforma GISAID para
analisar os genomas das mutações do coronavírus. Já o Índice de Isolamento
Social foi coletado entre os dias 5 entre 1º de fevereiro de 2020 e 24 de
janeiro de 2021, em todo o Brasil, pelo site In Loco. A análise é feita com
base nos sinais emitidos por telefones celulares em um rádio de 450 metros
quadrados das casas.
A pesquisa ressalta que a
relação entre o alto índice de isolamento e o aumento do número de infecções
por Covid-19, seja a cepa original ou a variante, só pode ser observada quando
o SII estiver acima de 40%.
Pesquisadores
Bruno Campelo é doutor em
Psicologia (Psicologia Cognitiva) pela Universidade Federal de Pernambuco e
realiza pesquisas em aplicação de métodos estatísticos em qualquer contexto.
Ricardo Zimerman é médico
infectologista. Ex-presidente da Associação Gaúcha de Profissionais em Controle
de Infecção e Epidemiologia Hospitalar.
Rute Alves Pereira e Costa
tem pós-doutorado pelo programa Harvard Medical School/LNBio (Laboratório
Nacional de Biociências) e atua na Sociedade para a Valorização Brasileira das
Especialidades Médicas (SOBEM).
Flávio Cadegiani é médico
endocrinologista e mestre e doutor em Endocrinologia Clínica pela Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp).
Publicado originalmente no
site Brasil Sem Medo.