Quando a fé ameaça negócios: de Éfeso ao século 21


Vladimir Chaves

Em Atos 19:24-27, a Bíblia relata um episódio emblemático: Demétrio, um ourives de Éfeso, reuniu os artesãos da cidade para denunciar que a pregação do apóstolo Paulo estava prejudicando seus negócios. Ele produzia miniaturas do templo da deusa Diana, mas, à medida que as pessoas abandonavam a idolatria, a demanda por seus produtos diminuía. A expansão do cristianismo, portanto, não afetava apenas costumes religiosos, mas também um setor inteiro da economia local.

Mais de dois mil anos depois, o paralelo continua atual. O avanço de valores cristãos ainda provoca tensões com diferentes setores econômicos.

Setores em tensão

Tomando o Brasil como referência, o primeiro ponto de conflito está nas chamadas indústrias do vício. Empresas e governos que lucram com álcool, cigarro, drogas lícitas e jogos de azar veem com desconfiança qualquer movimento que incentive sobriedade e libertação. Onde igrejas trabalham com recuperação de dependentes, cadeias de consumo bilionárias são diretamente afetadas.

Outro setor sensível é o do comércio da fé. Assim como em Éfeso, ainda existem modelos religiosos transformados em mercado, onde se vendem bênçãos, objetos sagrados ou promessas de prosperidade. A pregação de um Evangelho centrado em Cristo ameaça frontalmente essas práticas.

Além disso, o consumismo e a cultura do entretenimento, muitas vezes sustentados por eventos públicos que movimentam votos e dinheiro, também entram em rota de colisão com os valores cristãos. Soma-se a isso a chamada cultura baixa, que explora músicas, espetáculos e produções artísticas voltadas para a ostentação, a pornografia e a mercantilização da sexualidade.

O dilema contemporâneo

O que em Éfeso se traduzia como “prejuízo econômico” hoje pode ser entendido como uma reestruturação de valores sociais. O crescimento de comunidades cristãs comprometidas com princípios bíblicos não se limita ao campo espiritual: afeta hábitos de consumo, prioridades culturais e até políticas públicas.

Essa tensão gera um dilema contemporâneo: até que ponto sociedades dispostas a valorizar a ética, a sobriedade e a solidariedade estão prontas para enfrentar os impactos financeiros que essas escolhas inevitavelmente provocam?

Enfim, o episódio de Demétrio mostra que a resistência ao Evangelho não é apenas teológica, mas também econômica. Se, no passado, um ourives temeu perder clientes, hoje grandes setores (públicos e privados) resistem a qualquer movimento que coloque a fé acima do lucro.

A pergunta que permanece é: o que vale mais, a preservação de modelos econômicos ou a transformação de vidas?

domingo, 17 de agosto de 2025

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