Por Marina Silva
Na semana seguinte a sua
reeleição, a presidente Dilma Rousseff _do modo mais discreto possível_ decidiu
ou “autorizou” reajuste de preços, alta de juros e divulgação de informações
que na campanha negava ou condenava. O cenário do marketing eleitoral começava
ser desmontado.
Agora, a realidade se
mostra na exposição de dados oficiais omitidos, deliberadamente, por
representantes do próprio governo durante a campanha presidencial.
O Ipea (Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada), órgão vinculado à Presidência da República, adiou
o anúncio das estatísticas sobre pobreza e miséria no país e alegou que tal
decisão era para não favorecer nenhum candidato (na verdade, não queria
oferecer constrangimento à candidatura petista). Na quarta-feira, dia 5, a
presidente que, quando candidata, se vangloriava do país ter saído do Mapa da
Fome elaborado pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e
Agricultura), recebeu a informação de que o instituto verificou o crescimento
do número de miseráveis em seu governo.
Entre 2012 e 2013, houve
um aumento de 3,68% no número de indivíduos considerados abaixo da linha da
pobreza ou indigentes — passaram de 10.081.225 para 10.452.383, ou seja, mais
de 371.000 pessoas entraram para o grupo de miseráveis no período. São
brasileiros que têm renda mensal inferior a R$ 70. É o primeiro aumento desde
2003, quando o indicador passou a cair ano a ano.
Analistas e técnicos dizem
que os efeitos nocivos da inflação voltam a fazer vítimas na camada mais
desprotegida da sociedade brasileira. Em sua campanha, a presidente candidata
negou com veemência que o aumento dos preços colocaria sob risco as conquistas
de melhoria de renda dos mais pobres.
A tática de esconder maus
resultados também foi seguida pela Receita Federal que, na véspera do segundo
turno, determinou que as estatísticas sobre a arrecadação em setembro não
poderiam ser expostas ao público antes da contagem dos votos.
No último dia 29, a
expectativa dos especialistas sobre a redução das receitas tributárias se
confirmou. Entraram nos cofres do governo R$ 90,722 bilhões, valor 4,42% inferior
ao registrado em agosto. Mais um forte sinal da retração acentuada da economia
brasileira.
Ainda há doses de
realidade guardadas. A sociedade espera a palavra das autoridades
governamentais sobre o desmatamento da Amazônia e o desempenho dos alunos da rede
pública em português e matemática.
Sobre o patrimônio
ambiental, já se sabe que o quadro é preocupante. Em outubro, o Imazon
(Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), organização de prestígio
científico que monitora o grau de preservação da Amazônia Legal, divulgou, como
de hábito, os dados de seus estudos. Neles consta que entre agosto e setembro o
desmatamento da região cresceu 191% em relação ao mesmo período de 2013. Foram
perdidos 838 quilômetros quadrados de cobertura vegetal.
O jogo de esconde das
estatísticas que jogam luz na realidade para avaliar a eficiência do governo em
assuntos estratégicos também contou com o reforço da Casa Civil da Presidência
da República. Desde agosto, as gavetas do Planalto guardam o relatório sobre o
desempenho dos alunos da rede pública em português e matemática no Ideb (exame
aplicado a cada dois anos). Os resultados eram tradicionalmente apresentados
até aquele mês. Por meio de dados secundários, é possível estimar que os
estudantes do ensino médio tiveram notas piores na prova nacional. O governo
alega que trabalha para tornar os dados do exame mais completos.
Será que agora, sem
escapatória diante da realidade, o governo e seus aliados vão encarar o debate
que interditaram e mascararam com um marketing selvagem, desprovido de qualquer
filtro ético, sustentado na mentira e na boataria, para ganhar a eleição? Essa
forças políticas terão de explicar às brasileiras e aos brasileiros quais as
saídas para impedir a avalanche de retrocessos que se observa na economia e na
gestão pública: fisiologismo, corrupção, baixo investimento, elevação de juros
e da inflação, aumento do desmatamento e, agora, como se não bastasse,
retrocesso até na área em que se diziam imbatíveis, com o aumento da degradação
social.
Alertei nas duas campanhas
presidenciais de que participei: o atraso na política continua sendo a maior
ameaça para que o Brasil perca as conquistas sociais e econômicas que, a duras
penas, alcançou nas últimas duas décadas.
O atraso político,
infelizmente, permanece e prevalece. Com quem o povo brasileiro pode contar
para reconhecer, debater e superar seus graves problemas?
De todo modo, algo já
melhora: passadas as eleições, diminui o tempo da propaganda eleitoral e
aumenta a dose de realidade, que, por mais dura que seja, é melhor do que o
mundo colorido do marketing que a subtraiu do debate eleitoral.