Mais de cinco meses depois
de ter sido preso por portar água sanitária e Pinho Sol perto de um protesto no
centro do Rio de Janeiro, o morador de rua, Rafael Braga Vieira recebeu a
primeira visita na sexta-feira passada, dia 6, no complexo penitenciário de Japeri.
Só então ficou sabendo da notícia que circulava há três dias pelos jornais de
todo o país: fora condenado a 5 anos e 10 meses em regime fechado pelo “crime”.
A visita era a advogada
Raphaela Lopes, do instituto Defensores de Direitos Humanos, que assumiu a sua
defesa e vai recorrer. Rafael estava cabisbaixo, amedrontado e ficou perplexo
com a condenação. Depois do encontro, a advogada reforçou sua tese: a polícia e
a justiça ignoraram direitos e princípios básicos pelo fato de Rafael ser
morador de rua, pobre e negro – uma pessoa sem defesa ou rede de apoio.
O exemplo mais gritante é
a imagem de sua prisão: Rafael foi algemado pelos pés, uma prática de
humilhação que deveria estar banida das penitenciárias do país. “Até o uso de
algemas no braço hoje é condenado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), o
policial só pode algemar se o preso oferecer risco. Imagina nos pés? É
desumano, prática do século retrasado, o que se fazia com os escravos”,
argumenta Raphaela. A foto foi publicada pelo site Rio na Rua, que faz
cobertura independente dos protestos.
"Quem é Rafael Braga Vieira?" Para entender o
que essa condenação pode representar para o Brasil, leia a entrevista com a
advogada e única pessoa a visitá-lo até agora.
Como será a defesa de
Rafael?
Ele foi condenado por
porte de material explosivo, mas foi flagrado com duas garrafas plásticas. O
coquetel molotov necessariamente precisa de garrafa de vidro, é assim que a
fagulha se espalha. O juiz diz ainda que uma das garrafas tinha quantidade
mínima de álcool e o condena por uma suposta intenção de incendiar. Essa é uma
a arbitrariedade sem base jurídica. Assumir que a pessoa tem a intenção de
incendiar só porque ela está andando com uma garrafa que contém álcool?
O que ele tem a dizer
sobre os protestos?
Nada. Ele não estava na
manifestação. Ele não tem nenhum tipo de ligação com as manifestações. Foi a
pessoa errada na hora errada.
Poderia falar um pouco sobre
quem é Rafael Braga Vieira?
Ele é negro, tem 25 anos,
cursou até a 5a série, tem 6 irmãos, a mãe dele mora na Penha ele trabalha em
brechós na Praça XV de Novembro. É complicado descrever alguém que se conheceu
na cadeia, a pessoa está com medo, o tempo todo recebendo ordens, ele mal
olhava nos nossos olhos.
Como ele reagiu à notícia
da condenação?
Ele ficou surpreso com a
rigidez e por ser em regime fechado. Nos pediu para contatar a sua mãe, que
ainda não está sabendo da prisão.
Qual sua avaliação desse
caso?
O juiz tira dele direitos
básicos, como o benefício da dúvida. No direito penal, há a presunção da
inocência. Ou seja, se há alguma dúvida, é preciso dar ao réu o benefício da
dúvida. O Rafael teve esse benefício negado, como se certos princípios não se
aplicassem a ele. Na minha avaliação, ele não foi condenado por um crime, ele
foi condenado por ser morador de rua, pobre, negro. Isso fala muito sobre o
atual cenário que vivemos no Rio de Janeiro, onde cresce um modelo de cidade
excludente, para poucos, elitista. Pessoas como o Rafael não são desejadas
nesse cenário. Esse discurso pode soar radical, mas é a forma como as coisas
acontecem, como a argumentação contra ele é construída na sentença.
O que esse caso diz sobre
o modo como o estado e a justiça lidam com os protestos?
Existe uma pressão para
que pessoas sejam responsabilizadas pelo quebra-quebra e vandalismo. As pessoas
detidas servem como bode expiatório. O que me intriga é a resposta do estado
aos protestos: não há diálogo, abertura para entender o motivo da insatisfação.
O estado só responde com mais repressão e criminalização. Que democracia é
essa? As pessoas estão protestando dentro de um contexto político, mesmo
aquelas que estão quebrando as coisas. O Rio tem um contexto violento de cerceamento
e exclusão das populações pobres. A forma como a cidade está sendo preparada
para os megaeventos é uma pauta política, mas não há disponibilidade do estado
em dialogar.
A condenação de Rafael
pode servir como um recado para assustar futuras manifestações?
Sem dúvida. Principalmente
pela pena tão alta. Mais uma vez, a reação do estado é a criminalização.
Tem mais alguma coisa a
acrescentar sobre Rafael?
Nós fizemos exatamente
essa pergunta a ele “tem alguma coisa que você queira falar pras pessoas lá
fora?”. Ele não disse nada. Só frisou a vontade de que sua mãe ficasse sabendo.