Parte do dinheiro de
propina obtido com a corrupção na Petrobras e descoberto pela Operação
Lava-Jato estava escondido em espécie: em contas no exterior, em envelopes
entregues em hotéis ou em malas dentro de um apartamento em Salvador. Contudo,
muitos dos políticos, executivos e doleiros preferiam lavar esse dinheiro de
forma diferente: comprando casas, apartamentos, carros ou lanchas. Quando
descobertos, todos esses bens foram apreendidos e, após a condenação, levados
para leilão, a operação já recuperou pelo menos R$ 76 milhões dessa forma.
O valor equivale a 135
leilões da operação no Paraná e no Rio de Janeiro cujos bens terminaram
arrematados — alguns deles com desconto. No entanto, mesmo com o valor vultoso,
outras propriedades permanecem encalhadas, sem interessados.
Um dos primeiros presos, o
doleiro Alberto Youssef era o responsável pela lavagem de dinheiro de vários
dos políticos presos pela Lava-Jato. Não por acaso, também foi o que mais tinha
propriedades adquiridas com dinheiro sujo. A compra de imóveis é uma das
estratégias mais comuns na lavagem de dinheiro: se colocadas em nome de
empresas de fachada, são de difícil identificação. Além disso, as operações de
compra e venda são mais permissivas na forma de pagamento.
Não por acaso, o doleiro
tinha 73 apartamentos no Hotel San Diego Express, na cidade de Aparecida, local
de peregrinação de católicos no interior de São Paulo. Youssef também era dono
de apartamentos em Londrina, Salvador e em São Paulo. Teve que entregar tudo
como parte de seu acordo de colaboração premiada, um dos primeiros da Lava-Jato
e responsável por iniciar a operação. Ao todo, suas propriedades renderam R$ 14
milhões em mais de 80 imóveis.
Entre os leilões, chamam a
atenção alguns dos imóveis que ficaram famosos durante as investigações. Nenhum
deles tanto quanto o tríplex do Guarujá, arrematado por R$ 2,2 milhões.
Conforme ÉPOCA revelou, seu novo dono, o empresário brasiliense Fernando Costa
Gontijo, tem interesse em transformar o imóvel em um prêmio de campanha
publicitária. O imóvel fica na Praia das Astúrias e teve que ser reformado após
a invasão de militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto em 2018 — entre
os danos alegados pelo novo dono, está o elevador privativo que teria sido
construído, segundo os investigadores, a pedido do ex-presidente.
Os leilões da Lava-Jato
costumam atrair público interessado em bens de luxo, segundo o leiloeiro Renato
Guedes. Ele já realizou pelo menos 15 pregões de bens de condenados na operação
e somente em dois não houve compradores.
— A procura é grande, já
que os leilões são divulgados pela mídia e as vendas vão bem. O público é bem
específico, já que os bens, em geral, custam acima de R$ 1 milhão. São pessoas
que vão no leilão para comprar — diz Guedes, que somente no ano passado vendeu
R$ 16,4 milhões em bens da ação de combate à corrupção.
O sítio de Atibaia, outra
propriedade que levou à condenação do ex-presidente Lula, não foi a leilão: a
Lava-Jato chegou a permitir a venda pelo proprietário Fernando Bittar, sócio de
Fábio Luis Lula da Silva, o Lulinha. Contudo, com a condenação imposta a ele em
segunda instância, o destino do imóvel está indefinido. A princípio, não houve
oferta de compra.
Também famosa, a mansão da
família de Sérgio Cabral em Mangaratiba. Ao contrário do tríplex do Guarujá,
comprado logo no primeiro leilão, o novo dono do imóvel conseguiu um desconto
de 20% em relação à avaliação do imóvel. A princípio, ninguém se interessou no
leilão inicial de R$ 8 milhões. Foi apenas na segunda tentativa, com um preço
de R$ 6,4 milhões, que surgiu um interessado — um empresário que não quis se
identificar.
Nem toda propriedade da
Lava-Jato, entretanto, é luxuosa. O ex-ministro José Dirceu perdeu três imóveis
em razão de condenações na operação. Até o momento, apenas uma delas foi
vendida, um casa no bairro da Saúde, adquirida por R$ 465 mil.
Mas nem só de imóveis foi
gasto o dinheiro da corrupção. O ex-diretor de Abastecimento da Petrobras,
Paulo Roberto Costa ganhou um jipe de Alberto Youssef — a nota fiscal permitiu
que os investigadores chegassem ao executivo da estatal petrolífera. Mas outro
de seus luxos também foi apreendido pela operação: uma lancha de 45 pés.
Batizada de Costa Azul, o barco coincidentemente ficava atracado em
Mangaratiba. Ele foi comprado por R$ 1,4 milhão.
Quem também perdeu um
barco foi o empresário Eike Batista, que no início deste ano voltou a negociar
uma delação premiada. Seu iate, ironicamente nomeado de “Spirit of Brazil VIII”
(Espírito do Brasil), foi comprado por R$ 14 milhões, o leilão mais caro dos
levantados pelo GLOBO, superando até a aeronave VLJ 500, que estava em nome da
KB Participações Ltda., uma das empresas do empresário Arthur Soares, o “Rei
Arthur”, ligado ao esquema de compra de votos da eleição do Rio para sediar as
Olimpíadas de 2016.
O famoso ditado popular
“vão-se os anéis, ficam os dedos” pode ser usado para alguns dos investigados
da Lava-Jato, como Hudson Braga, ex-secretário do governo Cabral. O político
não perdeu anéis, mas 12 relógios das marcas de luxo Montblanc, Bulgari, Tag
Heuer, Cartier e Tissot. Somados, os leilões dos dois relógios renderam R$ 62
mil. Destino similar tiveram os relógios de Rodrigo Srour, filhos do doleiro
Raul Srour: seus relógios Hublot e Rolex foram comprados por um valor que,
somado, chegou aos R$ 314 mil.