O início do ano no Brasil
foi marcado pelo fim da vigência do decreto de calamidade pública, aprovado
pelo Congresso Nacional em 20 de março de 2020. O fim da vigência do decreto
reduz os recursos disponíveis para financiar políticas de assistência social,
ações emergenciais na saúde e no setor produtivo que estavam atrelados ao fim desse
prazo estabelecido em 31 de dezembro de 2020.
O reconhecimento de
calamidade pública permitiu que o governo Bolsonaro aumentasse o gasto público
e descumprisse a meta fiscal prevista para 2020, quando o Orçamento já admitia
déficit fiscal de até R$ 124,1 bilhões nas contas públicas. Em razão dos gastos
com a pandemia, o déficit passou para R$ 831 bilhões. Com essa liberdade de
gasto, o governo Bolsonaro ampliou despesas com o programa Bolsa Família,
garantiu o repasse de recursos para pagamento do auxílio emergencial (extinto
com o fim do decreto) e direcionou valores extras para compra de medicamentos e
insumos.
De acordo com dados
do Siga Brasil, o decreto de calamidade pública permitiu destinar, até
dezembro de 2020, R$ 513,19 bilhões para gastos como: o auxílio emergencial (R$
230,7 bi), o benefício emergencial de manutenção do emprego e renda (R$ 33,48
bi) e o auxílio financeiro aos estados e municípios (R$ 63,15 bi) entre outras
despesas.
Orçamento de guerra
Com o esgotamento do prazo
do decreto, o Orçamento de Guerra (Emenda Constitucional 106, de 2020),
previsto para ser extinto juntamente com o estado de calamidade pública, também
perdeu sua validade a partir do dia 1º de janeiro. Essa emenda constitucional
criou um regime extraordinário fiscal e autorizou o Banco Central a comprar
títulos de empresas privadas no mercado secundário (o objetivo seria garantir
liquidez ao mercado de capitais). Além disso, permitia processos mais rápidos
para compras, obras e contratações de pessoal temporário e serviços.
Medidas emergenciais
Outras iniciativas que
estavam atreladas ao prazo de vigência do estado de calamidade pública estão
inseridas na Lei nº 13.979, de 2020. Perderam eficácia os artigos que permitiam
que prazos fossem reduzidos pela metade na licitação pela modalidade pregão,
eletrônico ou presencial, para a compra de material relacionado ao combate à
doença. Também passaram a não ter efeito os dispositivos que previam que os
cidadãos deveriam colaborar com as autoridades sanitárias na comunicação
imediata de possível contaminação pela doença; a manutenção da validade de
receitas de remédios sujeitos à prescrição; e a determinação de que o
Ministério da Saúde manteria dados públicos e atualizados sobre os casos
confirmados de covid-19, suspeitos e em investigação.
Vacina
Já o dispositivo para
autorização excepcional da Anvisa de 72 horas, para importação e distribuição
de vacina aprovada por órgão estrangeiro (determinada pela Lei 13.979),
continua valendo. Isso porque o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF),
Ricardo Lewandowski, estendeu a vigência de alguns dispositivos, que estavam
vinculados ao decreto de calamidade pública.
Com a decisão, proferida
no dia 30 de dezembro, continuam valendo também as medidas (estabelecidas
também pela Lei 14.035, de 2020) que podem ser adotadas pelas autoridades
durante a pandemia, como isolamento, quarentena e uso de máscaras e a
determinação de realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais,
coleta de amostras clínicas, vacinação e outras medidas profiláticas. A decisão
do ministro ainda será analisada pelo plenário do Supremo, mas enquanto isso
não ocorre, fica valendo a determinação do magistrado.
Setor cultural
Artistas e trabalhadores
que atuam no setor de cultura também devem sentir o efeito do fim do decreto.
Desde 1º de janeiro esses profissionais deixaram de receber o pagamento do
auxílio emergencial de R$ 600 estabelecido pela Lei Aldir Blanc (Lei
14.017, de 2020). A mesma lei direcionou parte dos R$ 3 bilhões destinados ao
setor para a área de cultura dos estados e municípios para financiar a
manutenção de empresas e de espaços artísticos e culturais, como teatros,
escolas de música e dança, circos e bibliotecas comunitárias. Ainda no final de
dezembro, o presidente Jair Bolsonaro, assinou medida provisória (MP 1019/2020)
para permitir que o recurso de R$ 3 bilhões, já assegurados pelo governo
federal e ainda não utilizados por estados e municípios, possam ser aplicados
em 2021.
Eventos e turismo
Regras estabelecidas pela
Lei 14.046, de 2020, também caducaram. A norma tratava do adiamento ou
cancelamento de eventos, serviços ou reservas nos setores de cultura e turismo
devido à pandemia de covid-19. O texto estabelecia que caso o evento, serviço
ou reserva já feitos, até 31 de dezembro de 2020, fossem adiados ou cancelados,
incluindo shows e espetáculos, a empresa vendedora ficaria desobrigada a
reembolsar o consumidor. Isso desde que assegurasse a remarcação do evento,
serviços ou reservas, ou disponibilizasse um crédito para uso ou abatimento na
compra futura para outros eventos, serviços ou reservas.
Contratos de trabalho
O fim do estado de
calamidade pública interrompe também a validade das medidas previstas na Lei nº
14.020, de 2020. Com isso, as empresas não podem mais adotar redução
proporcional de jornada/salário e/ou suspensão temporária de contrato de
trabalho de seus empregados. Isso porque a lei vincula a flexibilização dessas
regras trabalhistas ao período de calamidade, estabelecido pelo decreto.
Aviação civil
Entre as regras que
perderiam efeito a partir do dia 1º de janeiro estão as que estabelecem
condições excepcionais para reembolso e remarcação de passagens aéreas. Mas com
o aumento de casos de covid-19 e a possibilidade de novos cancelamentos de voos
e passagens, Bolsonaro decidiu editar uma Medida Provisória (MPV 1.024/2020)
para prorrogar até 31 de outubro de 2021 a permissão para a empresa aérea
reembolsar o passageiro em virtude do cancelamento do voo contratado, mantendo
os mesmos critérios definidos anteriormente pela Lei 14.034, de 2020: prazo de
12 meses, contado da data do voo cancelado, observada a atualização monetária
calculada com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Com a MP,
o consumidor continua com direito a cancelar o voo contratado devido a
imprevistos da pandemia.
Calamidade nos estados
Diante das incertezas do
cenário epidemiológico, do aumento de infectados pelo coronavírus no país e o
reflexo da pandemia na economia e nas unidades de saúde dos estados e
municípios, nove governadores decidiram prorrogar o estado de calamidade
pública em seus estados. Até o momento, decidiram pela prorrogação os estados
do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Piauí, Roraima, Paraná, Rondônia,
Tocantins e o Distrito Federal.
Em sua maioria, os
decretos foram estendidos até o meio do ano e devem servir para que os gestores
apliquem medidas que aumentem gastos sem que tenham limitações nas regras
fiscais e possam realocar recursos de outras áreas na saúde.
Os governadores ainda
atuam em outra frente: eles pressionam o governo federal para prorrogar o
decreto de calamidade por meio de medida provisória. Em reunião com
representantes do Poder Executivo, ainda no final de dezembro, governadores
apelaram para a renovação do decreto que reconhece o estado de calamidade
pública por mais seis meses para agilizar a compra e validação de vacinas.