Ao final de 2013 escrevi
um artigo em que analisava os três primeiros anos do governo Dilma. Neste texto
levantei a hipótese de que haveria mais um ano para se tentar reverter os
retrocessos na política ambiental do País. Chegamos a mais uma semana mundial
de meio ambiente e como é de praxe, aos que não caem na tentação fácil de
comemorar sem refletir, fazemos aqui um breve balanço.
- Código florestal: As
instituições do Observatório do Código Florestal
(www.observatorioflorestal.org.br) avaliam que a nova lei, agora com o tardio
decreto regulamentador e o Cadastro Ambiental Rural em suposta operação, ainda
carece de infra-estrutura humana e financeira em escala para sua viabilização.
Depois de dois anos da entrada em vigor da Lei, os estados ainda não se prepararam,
aguardando a regulamentação federal que saiu somente mês passado. A
regulamentação aprovada prevê, além das regras para o cadastramento dos imóveis
rurais, a revisão de todos os compromissos (judiciais) já assumidos de
recuperação ambiental em todo país. Inexistem mecanismos financeiros robustos
que apoiem medidas de recuperação e conservação no meio rural. Inexiste uma
estratégia nacional clara para implementação efetiva da Nova Lei dentro dos
prazos nela previstos. Leia artigo a respeito aqui.
- Usina Hidrelétrica de
Belo Monte: Logo nos primeiros 100 dias de governo (Dilma) foi concedida a
licença “parcial” para instalação do canteiro de obras sem que a implementação
das condicionantes ambientais (prévias) para a licença de instalação tivessem sido
sequer iniciadas. A obra continua sendo tocada sem tais medidas de mitigação e
prevenção de impactos. Tanto que a região é onde houve um dos maiores aumentos
do desmatamento na Amazônia. Disso resulta um clima de tensão permanente com as
populações locais, povos indígenas, uma visão dividida da sociedade local
acerca dos benefícios e prejuízos. Os impactos ambientais e sociais já estão
ocorrendo, a insegurança jurídica reina e fica evidente o empenho do Governo de
fazer a obra à fórceps, contrariando a legislação ambiental.
- Política Tributária
insustentável: a política tributária brasileira caminha na contramão da
transição para uma economia sustentável e de baixas emissões de carbono. Os
setores mais beneficiados com os mais de R$ 250 bilhões em incentivos
tributários federais concedidos nos últimos cinco anos foram o agronegócio, a
queima de combustível fóssil e setor automobilístico que, juntos, representam
mais de 50% das emissões de CO2 do país em 2010 (se considerarmos também os
desmatamentos). Vários estados brasileiros oferecem isenções que chegam a zero
para automóveis, pecuária e soja enquanto oneram com altas cargas tributárias
atividades sustentáveis (como o manejo florestal e energia solar ou eólica).
Por que IPI zero para carros e não para bicicletas, por exemplo?
- Desafetação de unidades
de conservação e ameaças aos territórios indígenas: Além da paralisação total na criação de
unidades de conservação em todo país (em terra e mar) o governo federal reduziu
unidades de conservação em regiões de avanço da especulação fundiária e do
desmatamento na Amazônia. Praticamente 50% do aumento do desmatamento
verificado em 2013 na Amazônia aconteceram em região onde o governo desafetou
unidades de conservação, reduziu territórios indígenas e consequentemente deu
sinal favorável ao avanço do desmatamento especulativo. Foi criada na Câmara
dos Deputados a Comissão Especial que já realizou inúmeras audiências públicas,
conduzidas por parlamentares da bancada ruralista, para debater, em ano
eleitoral, a PEC 215 que pretende passar ao Congresso Nacional a competência
para promover todo processo de demarcação de terras indígenas. Já imaginaram
senadores discutindo os limites de um território indígena?
- Retrocessos na
legislação de agrotóxicos: nos bastidores
da Casa Civil discute-se a retirada da ANVISA do poder de decidir sobre a
utilização de agrotóxicos. O Brasil é o país que mais consome agrotóxicos em
todo mundo (5l/cidadão /ano) e essa iniciativa, se aprovada, pode agravar ainda
mais a situação, anulando por completo a própria política de agroecologia e
produção orgânica do país aprovada recentemente. Queremos alimento saudável nas
nossas mesas, certo? Mas é isso que propõem os líderes ruralistas no congresso
nacional?
- Perda dos recursos do
Fundo Clima: A principal fonte permanente de recursos voltados ao financiamento da política de
mudanças climáticas foi eliminada pela Lei Federal 12.734 de 2013. Uma liminar
obtida por ADIN no Supremo Tribunal Federal (STF) ainda mantém os recursos por tempo indeterminado
(até o julgamento da ADI). Apesar de estar ciente disso, a Presidenta sancionou
a lei que acaba com a principal fonte de recursos deste importante fundo para o
desenvolvimento sustentável, cuja conquista se deu três anos antes, ainda no
governo Lula. Menos dinheiro para desenvolvimento sustentável não nos parece o
caminho mais adequado para a transição a uma nova economia.
- Previsão de liberação do
gás de xisto: A extração do gás de xisto, proibida em países como a França, é
reconhecidamente uma atividade de altíssimo risco para os lençóis freáticos e
os recursos hídricos, e está sendo promovida pelo governo sem um debate público
mais amplo e sem o envolvimento do próprio Ministério de Meio Ambiente. A
extração dessa fonte de energia foi leiloada em novembro pelo governo federal.
Por que o Ministério de Meio Ambiente não foi consultado antes desse leilão?
- Aumento do Desmatamento
na Amazônia: depois de vários anos em queda (desde 2008), em 2013 a taxa de
desmatamento na Amazônia voltou a subir. Apesar de ser a 2ª menor taxa de
desmatamento de todos os tempos, houve um aumento de 30% ano passado. Esse
aumento parece ter relação estreita com as políticas do próprio governo federal
como, por exemplo, desafetação de unidades de conservação e terras indígenas,
redução das ações de fiscalização, o código florestal (anistias em APP e
pequenas propriedades rurais), obras de infraestrutura sem cumprimento
condicionantes ambientais e ações preventivas e a ausência de mecanismos
econômicos em escala apropriada que valorizem a floresta em pé. Segundo o Inpe,
quase 1/3 do que ainda existe de floresta já perdeu sua função no equilíbrio do
ciclo das chuvas do país (comprometendo o sudeste) em função da degradação
(exploração ilegal de madeiras e incêndios florestais). Você que mora e bebe
água do volume morto da Cantareira, em São Paulo, ao menos desconfia da
importância desse assunto?
- Aumento do desmatamento
na Mata Atlântica: dados da Fundação SOS Mata Atlântica revelam que houve um
aumento expressivo no desmatamento do Bioma no ultimo ano, da ordem de 10%,
sendo um 2º ano de retomada do aumento desse bioma onde vivem mais de 70% da
população brasileira e que já tem mais de 90% de sua vegetação original
devastada.
- Silêncio em relação ao
desmatamento do cerrado: estima-se que o ritmo do desmatamento do cerrado
brasileiro seja hoje o dobro do ritmo do desmatamento na Amazônia, sendo que
menos de 3% do Bioma está protegido sob a forma de unidades de conservação de
proteção integral. Ainda inexiste uma política para conservação do Bioma. O
cerrado é considerado o berço das águas do país. Entretanto, para o governo,
ainda é somente o celeiro do país do agronegócio.
- iMobilidade urbana e
violência no trânsito : os bilhões de reais em incentivos tributários que o
governo ofereceu nos últimos anos para a produção e o consumo de automóveis
foram muito mais eficientes do que os bilhões prometidos para obras e projetos
de mobilidade urbana justificados pela Copa do Mundo aqui no Brasil. A
violência decorrente do aumento do estresse no trânsito também cresce em número
alarmante de mortos e feridos e chega a ser tratada já como a epidemia do
século XXI. O Brasil é o 4º país em mortes no trânsito entre 183 países
estudados pela ONU. O país hoje produz quase 4 milhões de unidades de
automóveis por ano e lastrea parcela importante do seu desenvolvimento
econômico nesse modelo comprovadamente insustentável de consumo. Além do
trânsito e da violência decorrente, esse modelo também compromete o clima com
parcela relevante e crescente das emissões de gases de efeito estufa e outros
poluentes que comprometem a saúde pública.
Os poucos exemplos aqui
listados são suficientes em sua escala global de impacto ambiental para, sem
qualquer constrangimento, mas com muita tristeza, afirmarmos que temos ainda
pouco a comemorar. Mas sempre é tempo de reagir.
Considerando-se os últimos
anos de retrocessos socioambientais me pergunto se já não será um relativo
avanço se o próximo governo se comprometer a não patrocinar mais retrocessos.
Refletindo bem e responsavelmente, não creio que isso seja aceitável. A crise
da água em São Paulo, a fronteira climática transposta e a poluição já
insuportável em todas as suas formas nos grandes centros urbanos do país nos
revelam que um comportamento muito mais responsável deve ser exigido dos
cidadãos, políticos e governantes. Se não pelo bem da água, do ar, do clima ou
da biodiversidade, mas da sociedade em geral, dos mais pobres e excluídos do
acesso aos recursos e benesses da natureza. E também daqueles que vivem e
lucram diretamente com o agronegócio e a produção industrial nesse país, pois o
risco para os seus negócios estão aumentando a cada semana de meio ambiente sem
comemorações.
Por André Lima, advogado,
mestre em gestão e política ambiental, membro do CONAMA e do Elo Nacional e
Distrital da REDE Sustentabilidade