O Senado Federal completa
200 anos nesta segunda-feira (25), com predominância de parlamentares homens e
herdeiros políticos. Desde a redemocratização até a última eleição, cerca de
dois em cada três senadores eleitos vieram de famílias políticas. Além disso,
nove de cada dez eleitos são homens. Apenas quatro mulheres negras foram
eleitas para o Senado entre 1986 e 2022.
Dos 407 mandatos
disputados nesse período, 274 deles, o equivalente a 67% dos cargos, foram
ocupados por pessoas com vínculos familiares com políticos já eleitos. Com
isso, os senadores acabam herdando o capital político da família e se elegem
apoiados pelo sobrenome. Esse levantamento é parte da pesquisa do cientista
político Robson Carvalho, doutorando da Universidade de Brasília (UnB).
“O que a gente tem na
prática é que, muitas vezes, a condução das instituições públicas é tratada
como se fossem capitanias hereditárias, distribuídas e loteadas para quem apoia
aqueles grupos político-familiares e também tratam os gabinetes como se fossem
a cozinha de suas casas”, destacou o especialista.
Além disso, das 407 vagas
disputadas, 363 foram ocupadas por homens, o que representa 89% dos mandatos
disputados nas urnas. Apenas 44 vagas foram ocupadas por mulheres. Já as
mulheres negras foram apenas quatro: Marina Silva, eleita duas vezes pelo PT do
Acre, Benedita da Silva (PT-RJ), Eliziane Gama (PSD-MA) e Fátima Cleide
(PT/RO).
“São resultados
indicativos da reprodução das desigualdades políticas e prejuízos ao
recrutamento institucional, à igualdade de disputa, à representação de gênero e
raça; à edificação de uma democracia plural”, conclui o artigo do especialista,
que foi apresentado no 21º Congresso Brasileiro de Sociologia, em julho de
2023.
Para Robson Carvalho, a
pesquisa mostra que o Senado é majoritariamente ocupado por famílias poderosas.
“Parecem suceder a si mesmas, como numa monarquia, onde o poder é transmitido
por hereditariedade e consanguinidade”. Segundo o analista, isso traz prejuízos
à representação democrática do povo brasileiro.
“Grupos que lá também
poderiam estar representados: mulheres, negros, quilombolas, indígenas,
indivíduos de origem popular, de movimentos sociais, dentre outros. Isto ocorre
em detrimento do acesso, quase que exclusivo, de homens brancos, empresários,
originários de estratos superiores da pirâmide econômico-social e de famílias
políticas”, afirma o artigo.
O cientista político
Robson Carvalho destaca que o fenômeno do familismo político está presente em
todos nos mais diversos partidos de todos o espectro político, da direita à
esquerda, destacando que, nem por isso, deve ser naturalizado.
Entre os políticos que
estiveram no Senado entre 1986 e 2022 com ajuda da herança política estão
Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro; Lobão Filho
(MDB-MA), filho do ex-senador Edison Lobão; Renan Filho (MDB-AL), filho do
atual senador Renan Calheiros; Ronaldo Caiado (União-GO), neto de Antônio Totó
Ramos Caiado, ex-senador por Goiás na década de 1920; e Rogério Marinho
(PL-RN), neto do ex-deputado federal Djalma Marinho.
Outros parlamentares que
entraram Senado no período e são de famílias de políticos eleitos são Flávio
Dino (PSB-MA), Roberto Requião (MDB-PR), Flávio Arns (PSB-PR), Aloysio Nunes
Ferreira (PSDB-SP), Romeu Tuma (PL-SP), Espiridião Amim (PP-SC), Jorginho Mello
(PL-SC), Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), Otto Alencar (PSD-BA) e Davi
Alcolumbre (União-AP).
Todas as regiões
A pesquisa destaca que a
herança política é uma realidade de todos os estados e de todas as regiões do
país. “Não é uma característica só do Nordeste, como muita gente acha, ligada
ao coronelismo lá na região”, destacou o doutorando.
No estado de São Paulo,
por exemplo, dos 15 mandatos disputados para o Senado entre 1986 até 2022, nove
foram de pessoas identificadas como de famílias-políticas. Mesmo número do Rio
de Janeiro, o que representa 60% do total de mandatos disputados na urna.
No Paraná, 13 dos 15
senadores eleitos no período são de famílias políticas. O Rio Grande do Sul tem
o menor percentual de eleitos com ajuda do capital político da família. Apenas
4 dos 15 mandatos foram ocupados com a ajuda da herança política das famílias
no estado gaúcho, o que representa 26% do total. Dois estados aparecem com 100%
de eleitos com vínculos político-familiares: Paraíba e Piauí.
Robson Carvalho destacou
ainda que o fato de nascer em famílias com grande capital político já constitui
uma vantagem, “tendo em vista a herança simbólica, o acesso a diversos
capitais, que vão sendo construídos desde a infância, no espaço em que o agente
se encontra posicionado”.
Mulheres
Outro recorte da pesquisa
é o de gênero, que mostra que o Senado foi, e ainda é, dominado por homens, que
ocuparam 89% dos cargos disputados entre 1986 e 2022. Os estados do Amapá e
Piauí, por exemplo, nunca elegeram uma senadora. Quem mais elegeu mulheres
foram Mato Grosso do Sul (MS), com quatro mandatos: Marisa Serrano (PSDB),
Simone Tebet (MDB), Tereza Cristina (PP) e Soraya Thronicke (Podemos), sendo
que apenas a última não possui vínculos político-familiares, de acordo com a
pesquisa.
Os estados de Sergipe (SE)
e do Rio Grande do Norte (RN) elegeram mulheres três vezes. No caso de Sergipe,
foram três vezes a mesma mulher: Maria do Carmo Alves (DEM), marcada pela
presença de capital político-familiar.
O Rio Grande do Norte
elegeu três mulheres, duas com capital político-familiar, Rosalba Ciarlini
(DEM) e Zenaide Maia (PROS) “respectivamente membro de longevas e entrelaçadas
famílias políticas (Rosado e Maia) e Fátima Bezerra do PT, professora, de origem
popular e sem conexões com famílias políticas”.
“Considerando os dados por região, o Nordeste elegeu mais mulheres por mandato, chegando a 13, seguido das regiões: Norte, com 12; Centro-Oeste, com 10; Sudeste com 5; e, por último, a região Sul, elegendo apenas quatro mulheres”, acrescenta o estudo.
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