Governo e imprensa
raramente convergem – o que é ótimo para a democracia –, porém na sexta-feira
[16/5] estavam afinadíssimos ao avaliar as manifestações do 15 de maio, o primeiro
Dia Internacional de Lutas Contra a Copa: apoio reduzido e baixa adesão.
A utilização das jornadas
de junho passado como base de comparação é um truque aritmético e retórico que
não resiste a um exame mais atento dos fatos. A gigantesca participação em 2013
teve como alvo principal a inoperância do Congresso, a corrupção, a precariedade
dos serviços públicos, notadamente na esfera da saúde e do transporte público.
A Minicopa (das Confederações) não foi o alvo preferencial, entrou na pauta das
demandas por contingência cronológica – deveria realizar-se dentro de poucas
semanas e os novos estádios estavam no meio do caminho.
O pífio apoio obtido pelo
15 de maio não deve ser visto sob a ótica exclusivamente estatística. Até hoje pouco
sabemos sobre o número de manifestantes que em 1789 foram a Versailles e depois
percorreram Paris para derrubar a monarquia francesa, mas não restam dúvidas
sobre a intensidade e a efetividade do histórico protesto.
Junho de 2013 foi
acontecendo, rolando, se espraiando, ajudado pela repressão policial e pela
catatonia do aparelho do Estado, enquanto o atual movimento anti-Copa, ainda
que em dimensões experimentais, é organizado, tem estratégia, cronograma,
desdobramentos, conexões. E um contexto político frenético, tanto no âmbito
nacional, continental como internacional.
Pressão emocional
O agito deste maio – enganosamente
inexpressivo como o veem os otimistas – tem algo de 1968, no início limitado,
depois expandido pelo mimetismo de uma sociedade ainda analógica, porém
intensamente politizada. Hoje, as ideologias são virais, instantâneas,
contagiosas, fulminantes. Os estados de espírito transferem-se em alta
velocidade, Caracas pode ser aqui e agora.
No ano passado, o então
imbatível premiê Recep Erdogan começava a ser confrontado nas ruas de Istambul
por ambientalistas; neste momento é bode expiatório, culpado até por
fatalidades. Uma Ucrânia na ressaca da revolução laranja (2004) de repente
despertou como campo de provas para um novo tipo de conflito bélico
internacional, acionado por agentes provocadores e travado nas ruas por
milícias mascaradas.
O mito do futebol –
idolatrado, inviolável, inatingível, inatacável – despencou do pedestal. Tal
como a China confrontada nas ruas de Saigon pelos vietnamitas. O impensável
tornou-se possível. Isso pega, hoje tudo pega, basta um espirro.
As apressadas avaliações
sobre o que aconteceu na quinta-feira [15] não levam em conta que foi a
primeira: até 12 de junho (quando a brazuca começar a rolar no gramado do
Itaquerão, em São Paulo), há ainda três outras quintas-feiras. Cada uma
estimulada pelas malfeitorias disponíveis no mercado da incivilidade:
depredações estimuladas, greves ilegais, infiltrações partidárias e o suporte
do crime organizado.
Cada um destes motins
aumentará a tremenda pressão emocional sobre os 25 rapazes convocados para
defender sozinhos nossos brios, cores, nossa capacidade de improvisar e,
principalmente, o Esporte-Rei sequestrado pela corrupta multinacional chamada
FIFA.
Por Alberto Dines
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