O Túnel de Ezequias e a Fonte de Siloé em Jerusalém


Vladimir Chaves



O Túnel de Ezequias, também conhecido como Túnel de Siloé, é uma das maiores obras de engenharia hidráulica da Antiguidade. Escavado diretamente na rocha sólida sob a colina de Ofel, na cidade de Jerusalém, por volta de 701 a.C., durante o reinado do rei Ezequias de Judá, ele se tornou um elemento vital na sobrevivência da cidade diante das ameaças militares, especialmente o cerco assírio conduzido por Senaqueribe.

Essa passagem subterrânea estratégica desviava as águas da fonte de Giom, localizada fora das muralhas da cidade, para um reservatório protegido dentro da cidade, o Tanque de Siloé. A sua existência mostra não apenas habilidade técnica notável para a época, mas também o cuidado e a sabedoria do rei Ezequias ao preparar Jerusalém para resistir às agressões inimigas.

Contexto Histórico e Bíblico

O cenário político do século VIII a.C. era marcado pelo expansionismo do império assírio, que avançava cada vez mais pelo Oriente Médio. O rei Ezequias, que governou Judá aproximadamente de 715 a 686 a.C., é descrito na Bíblia como um líder fiel a Deus e reformador religioso (2 Reis 18–20; 2 Crônicas 29–32; Isaías 36–39).

Temendo o avanço de Senaqueribe, rei da Assíria, Ezequias tomou medidas defensivas, espirituais e práticas para preparar Jerusalém. Uma das mais notáveis foi o projeto de canalização da água:

"Vendo, pois, Ezequias que Senaqueribe vinha e que estava resolvido a atacar Jerusalém, teve conselho com os seus príncipes e os seus homens valentes para taparem as fontes das águas, que havia fora da cidade; e eles o ajudaram."     (2 Crônicas 32:2–3)

E mais adiante: "Este Ezequias tapou a nascente superior das águas de Giom e as fez correr por baixo para o lado ocidental da cidade de Davi." (2 Crônicas 32:30)

A Obra de Engenharia

O túnel tem cerca de 533 metros de extensão, escavado na rocha sólida. O mais surpreendente é que dois grupos de operários trabalharam a partir de direções opostas e se encontraram quase perfeitamente no meio, um feito incrível considerando os recursos disponíveis à época. A técnica empregada envolvia escavação com ferramentas simples, como cinzéis de ferro.

O trajeto é em forma de serpentina e levemente inclinado, permitindo que a água fluísse da Fonte de Giom, situada no vale do Cédron (lado leste da cidade), até o Tanque de Siloé, localizado no lado sul da antiga Jerusalém, dentro das muralhas.

A Inscrição de Siloé

Em 1880, arqueólogos descobriram dentro do túnel uma inscrição em hebraico antigo conhecida como Inscrição de Siloé. Trata-se de uma das mais antigas inscrições hebraicas conhecidas e descreve o momento dramático em que os dois grupos de escavadores se encontraram:

“E aconteceu que, enquanto [os escavadores] ainda estavam com o cinzel, cada homem em direção a seu companheiro, e enquanto ainda havia três cúbitos a escavar, foi ouvida a voz de um homem chamando ao seu companheiro — pois havia uma fenda na rocha do lado direito e do lado esquerdo. E no dia da perfuração os escavadores cortaram, cada um indo ao encontro do outro, cinzel contra cinzel, e a água fluiu da fonte para o reservatório por 1.200 côvados...”

Essa inscrição é um testemunho extraordinário da engenharia e também da mentalidade do povo de Judá em proteger sua cidade.

Importância Estratégica e Sobrevivência Durante o Cerco

A Fonte de Giom era o único suprimento de água doce da região e estava exposta fora dos muros da cidade. Caso um inimigo a controlasse, Jerusalém estaria perdida. Ao canalizar essa água para dentro dos muros, Ezequias privou os inimigos do acesso à água e garantiu abastecimento à população em caso de cerco.

Quando Senaqueribe cercou Jerusalém em 701 a.C., conforme descrito na Bíblia e confirmado em registros assírios (como os Anais de Senaqueribe), a cidade resistiu. O profeta Isaías também menciona essa época como uma manifestação da fé e da providência divina.

Segundo o relato bíblico, Jerusalém foi poupada milagrosamente:

"Então saiu o anjo do Senhor e feriu no arraial dos assírios cento e oitenta e cinco mil..." (Isaías 37:36)

Descoberta e Arqueologia Moderna

O túnel foi redescoberto por exploradores ocidentais no século XIX e hoje é acessível a visitantes. O túnel ainda está em funcionamento, com água corrente de Giom para Siloé. A Inscrição de Siloé foi removida em 1890 e está atualmente no Museu Arqueológico de Istambul, na Turquia.

Arqueólogos modernos veem o túnel como uma das maiores provas arqueológicas de eventos bíblicos, por reunir dados textuais, históricos e físicos numa mesma estrutura.

Fé, Estratégia e Sobrevivência

O Túnel de Ezequias é uma união de fé, sabedoria administrativa e capacidade técnica. Ele permitiu a sobrevivência de Jerusalém diante de um império esmagador e ainda hoje é testemunho da engenhosidade de um povo que confiava em Deus, mas que também se preparava com responsabilidade.

Mais do que um túnel, ele representa o esforço de um rei justo em proteger seu povo e sua fé — e reforça o princípio bíblico de que preparação e confiança em Deus caminham juntas.

0 comentários:

Postar um comentário